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31/07/2000 - 11h44

Festival de Gramado começa e celebra Paulo José, ator de caráter

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AMIR LABAKI
da equipe de articulistas da Folha de S. Paulo

O ator e diretor gaúcho Paulo José, 63, recebe amanhã o Troféu Oscarito MoviStar do Festival de Gramado, que abre hoje sua 28ª edição. Apesar de conterrâneo e frequentador assíduo do evento, será a primeira premiação dele no festival que ajudou a criar.

Foi ao rodar perto de Gramado a comédia "Gaudêncio, o Centauro dos Pampas", de Fernando Amaral, em 1971, que surgiu o projeto de tornar a serra gaúcha um ponto de encontro anual para o cinema brasileiro.

Sua trajetória, no palco e nas telas, é impressionante. Paulo José marcou como ator, produtor e diretor o Teatro de Arena de São Paulo, participando de montagens históricas como "Revolução na América do Sul", "Eles Não Usam Black-Tie" e a versão carioca de "Arena Conta Zumbi".

O destino levou-o a herdar, na última hora, o papel de protagonista num dos primeiros filmes do cinema novo, "O Padre e a Moça" (65), de Joaquim Pedro de Andrade. Na década seguinte, revolucionaria a imagem masculina no cinema brasileiro, criando o galã frágil, tímido e inseguro de comédias românticas como "Todas as Mulheres do Mundo" (66) e "Edu Coração de Ouro" (67), ambas de Domingos de Oliveira.

Luiz Sérgio Person o levaria, cinco anos depois, a parodiar a própria persona no subestimado "Cassi Jones, o Magnífico Sedutor". Pouco antes, a parceria de Paulo José com Joaquim Pedro atingira o ápice ao fazer o Macunaíma branco (Grande Otelo era o negro) para a tropicalista versão do "herói sem nenhum caráter" de Mario de Andrade.

A partir do final dos anos 60, a televisão descobre seu carisma e disputa-lhe as atenções com o teatro e o cinema. Paulo José participou da ascensão das telenovelas na Rede Globo, no elenco de sucessos como "Véu de Noiva" (69-70), de Janete Clair, e "O Casarão" (76), de Lauro César Muniz. Ao lado do parceiro de Arena Flávio Migliaccio, roubou a cena em "O Primeiro Amor" (72), de Walter Negrão -a anárquica dupla Shazan e Xerife ganhou seriado próprio, terminada a novela.

Desde então, Paulo José alterna-se entre peças, novelas e séries, também como diretor, e filmes mais esparsos, o último deles "Policarpo Quaresma, Herói do Brasil" (96), de Paulo Thiago.

Na semana passada, ele recebeu a Folha em sua casa, num silencioso condomínio da Gávea. Leves sintomas do mal de Parkinson marcam seu lado direito (intermitente tremor na perna, certo relaxamento da mão). Diagnosticado há seis anos, nada drenou de seu charme ou de sua energia. Leia a seguir um resumo da entrevista.

Folha - Como Joaquim Pedro chamou-o, em cima da hora, para protagonizar "O Padre e a Moça"?
Paulo José -
Nós (do Arena) fizemos "A Mandrágora" com muito sucesso, em São Paulo e no Rio. Fauzi Arap fazia o padre. Era um ator extraordinário. Joaquim Pedro chamou o Fauzi para fazer o farmacêutico, Helena Ignez para fazer a moça e achou que Luis Jasmim, que era um pintor, era um tipo interessante para fazer o padre. Nas vésperas das filmagens, Luis adoeceu com hepatite. Joaquim ficou desesperado. Lembraram de "A Mandrágora", que eu fazia, e a Sarah (de Castro Barbosa), mulher do Joaquim, foi me encontrar na porta do teatro e perguntou: "Você quer fazer o Joaquim?". "Quando é que eu viajo?" "Amanhã" (risos).

Folha - Qual foi o impacto em você desse primeiro filme?
Paulo José -
Foi uma experiência maravilhosa. É um filme absolutamente rigoroso. Me ensinou muito sobre o trabalho de ator como vivência e não como representação, não ser o ator representando, mas ser vivenciado. Era mais fácil para mim, pois não precisava do esforço da expressão. Fiquei o tempo todo lá, três meses e meio, de batina. O personagem ficava pronto. Joaquim era absolutamente crítico. Tinha uma dificuldade enorme em aceitar de imediato as coisas. Ele exigia, à la (Robert) Bresson, que você não tentasse ser expressivo.

Folha - Como você foi escalado para "Macunaíma"?
Paulo José -
Fui escolhido por eliminação. Joaquim Pedro andou atrás de todos os atores brasileiros, e eu sempre junto dele. Chamou primeiro Agildo Ribeiro, que havia feito em "Auto da Compadecida" um João Grilo perfeito e era Macunaíma. Eu só tinha elogios. Joaquim dizia que não estava convencido. Depois, já exausto, perto de começar a filmar, ele vira para mim e diz: "Você topa operar o nariz? Seu nariz é difícil cinematograficamente. De perfil você tem um nariz delicado, fininho, mas se vira de frente ele fica batatudo, largo. Se operasse o nariz, eu queria que você fizesse o Macunaíma branco". Falei que não podia. No dia seguinte ele disse: "Andei pensando. Seu nariz é perfeito. Ele é branco de perfil e negro de frente" (risos).

Folha - Com "Todas as Mulheres do Mundo" você cria um novo tipo masculino no cinema brasileiro, mais frágil, na linha, por exemplo, de um Jack Lemmon.
Paulo José -
Há o James Stewart também, o homem que não entende por que está acontecendo aquilo com ele, com certa perplexidade, ou Henry Fonda no "Vinhas da Ira", que tem uma coisa patética. Acho que esse tipo de interpretação tem uma transparência com a qual o espectador tem facilidade de se identificar, em que coloca atributos e significações afetivas. O ator "fodão" é auto-suficiente. O espectador o admira como um herói, de longe. No outro tipo o espectador entra dentro dele. Nós todos somos fracos. No jogo entre "winners" (vencedores) e "losers" (perdedores), nós todos somos "losers".

Folha - Quando você encontrou Domingos de Oliveira?
Paulo José -
Nós havíamos ficado muito amigos quando, em 63, vim fazer "A Mandrágora". Eu o dirigi no teatro, em 66, em "Carnaval para Principiantes", no Arena no Rio. Quando ele escreveu "Todas as Mulheres do Mundo", o nome do personagem era Paulo José. Eu era o alter ego dele. Me comportei como ele, com fragilidade física, herói romântico do século 19, perto da tuberculose.

Folha - O segredo de Leila Diniz era a espontaneidade?
Paulo José -
Eu e Leila, assim como era no Arena, trabalhávamos na base da inter-relação. O público não tinha nenhuma importância para nós. O jogo era entre nós, vivo. "Todas Mulheres do Mundo" era um média-metragem. Era a primeira parte. A segunda seria "Edu Coração de Ouro". O filme foi crescendo por dentro. A gente foi ampliando as situações. A gente ia improvisando e se divertiu muito com aquilo.

Folha - Por que essa linha de interpretação não fez escola?
Paulo José -
O ator no filme brasileiro representa muito. Na comédia, é histriônico, cheio de gestos teatrais. Agora, nos filmes de Beto Brant, há um tipo de interpretação com despojamento. Os atores estão fazendo cinema. A câmera amplia muito. Uma sobrancelha levantada num close numa tela de cinco metros de altura é uma obscenidade, é uma ponte levadiça. Os atores do cinema americano foram muito formados pelo Stanislavski. Outro dia mostrei numa aula a lista dos atores que passaram pelo Actors Studio -todos, até diretores como Sydney Lumet e Sidney Pollack. O importante no cinema é a ação física. Spencer Tracy, que parecia que estava em casa sempre, dizia: "É muito simples. É você decorar o texto, saber respirar e não esbarrar no cenário" (risos).

Folha - Que peça você está montando?
Paulo José -
"A Controvérsia de Valladollid" é uma peça que Jean-Claude Carrière fez de encomenda para um telefilme na celebração do Quarto Centenário da América, em 92. Ele não fez um filme oficial sobre o triunfo dos conquistadores. Fez sobre Bartolomeo de las Casas, um dominicano que passou toda a vida denunciando as atrocidades cometidas na América em nome da fé cristã. Carrière centralizou isso num grande debate, famoso, que aconteceu em Valladollid, em 1550, entre Bartolomeo e Juan de Sepúlveda, o mais famoso intelectual da Espanha, grande teólogo e historiógrafo. As posições divergiam radicalmente. Haveria uma bula papal que daria ou não alma aos índios. A discussão era sobre se os índios tinham ou não alma, se podiam ser escravizados ou não. O elenco tem o Matheus Nachtergaele, Otávio Augusto, Ivan Albuquerque e eu. Estréia no teatro Glória, no Rio, em 8 de setembro.

Leia também:
Texto de Paulo José escrito para o relançamento de Macunaíma

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