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10/08/2002 - 04h52

Socióloga percorre o caminho de Florestan

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CARLOS TORRES FREIRE
da Folha de S.Paulo

Na infância, era chamado de Vicente pela família e pela madrinha, patroa da mãe empregada doméstica, pois Florestan não era nome para menino pobre. Nos atuais anos de tucanato, muitos lembram dele como "professor do presidente", já que teve o sociólogo Fernando Henrique Cardoso como um aluno exemplar.

As alcunhas tão díspares se referem a Florestan Fernandes (1920-95), que tem parte da história de sua vida remontada por Sylvia Gemignani Garcia, também socióloga e professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

"Destino Ímpar - Sobre a Formação de Florestan Fernandes", que era parte de uma tese acerca da concepção de sociologia científica de Florestan, acabou se tornando uma história de vida do que a autora chama de "período de formação" (da infância à livre-docência, em 1953).

Esse "período de formação", segundo a autora, "não trata da formação estritamente intelectual, do primeiro trabalho, de quem leu etc., mas sim da experiência social e cultural desde o início da formação do indivíduo".

E a obra tomou esse rumo em virtude da riqueza do material explorado. São depoimentos, entrevistas e textos, alguns publicados em revistas acadêmicas e em obras como "A Sociologia no Brasil" (1977) e "Florestan Fernandes por Ele Mesmo" (1996).

Com exceção das cartas pessoais, todos são pós-aposentadoria compulsória da USP, em 1969 (por causa do regime militar), quando Florestan entra em profunda crise, já que é obrigado a sair da instituição para a qual se dedicara durante 28 anos.

"São textos pungentes do ponto de vista do depoimento. Ele se oferece como um informante excepcional e há um traço de um certo incômodo de Florestan, tanto intelectual como social, que dá o tom nos relatos. Era uma personalidade especial, uma personalidade divergente", diz Garcia.

A narrativa sobre o "jovem Florestan" é permeada pela reconstrução histórica do desenvolvimento da cidade de São Paulo e da USP e pelas discussões da sociologia como ciência autônoma.

"Há intérpretes que dizem que ele era o homem certo no momento certo. Sem a modernização de São Paulo, a urbanização, a industrialização e a transformação numa metrópole, com toda aquela cultura difusa e de extrema valorização da ciência, não seria possível essa trajetória de Florestan", explica a professora.

É na USP, fundada em 1934, que Florestan encontra a possibilidade da ascensão social e do reconhecimento. Isso porque os critérios intelectuais de seleção, fulcro do projeto da universidade, barram a adoção dos critérios econômicos e políticos de indicação. "Não entra porque é filho do presidente nem porque é muito rico, tem que fazer o exame. Sem isso, como o Florestan entraria na universidade? Quem indicaria?".

Como Florestan disse: "Para um milhão de pessoas que serviram de azeite para que esta máquina funcionasse, há um que realiza um destino ímpar", e, evidentemente, esse um tinha que ser ele.

A autora lembra que "ele fala de como vai descobrindo um mundo novo ao estar nas casas das patroas da mãe, quando descobre os livros, o amor aos livros. Uma cultura que provoca o menino de forma muito poderosa. E ele decide que vai naquela direção. É evidente que tudo joga contra, pois pára de estudar logo, a mãe não apóia muito...". Também há o fato de ter começado a trabalhar aos seis anos, o que o impediu de completar o curso primário e o levou a fazer mais tarde o curso de madureza (espécie de supletivo).

Mas a idéia simplória do engraxate que virou sociólogo solapa a complexidade da trajetória. Garcia ressalta pontos cruciais nessa formação, como a complicada socialização no mundo da burguesia paulista, a adesão completa ao racionalismo, a qual alimenta um ajuste incompleto e crítico ao novo lugar social conquistado.

Além disso, o rigor era parte da vida de Florestan. Rigor que fazia com que ficasse na biblioteca até meia-noite para recuperar o tempo de estudo perdido na infância. Rigor que fez de suas aulas as famosas "aulas tijolo", fama ratificada em depoimento da ex-aluna (hoje professora emérita da USP) Eunice Durham: "Não entendia metade do que ele falava". Rigor admitido pelo próprio: "Começava o curso com um sala de 50 alunos e no fim havia 20. Pois é, mas era milho que ia virar pipoca".

DESTINO ÍMPAR - SOBRE A FORMAÇÃO DE FLORESTAN FERNANDES - de Sylvia Gemignani Garcia. Editora: 34. Quanto: R$ 22 (122 págs.)
 

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