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28/08/2002 - 02h36

Caetano Veloso e Jorge Mautner se reencontram em CD

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo, no Rio

"Eu caí para trás. É o primo rico e o primo pobre, é Hades [deus dos mortos] dos infernos elevado ao Olimpo." Assim Jorge Mautner, 61, reage a Caetano Veloso, 60, por tê-lo convidado a dividir um CD inteiro com ele.

Pois "Eu Não Peço Desculpa", feito predominantemente de canções e parcerias inéditas, faz se reencontrarem trajetórias que se tocaram em 71, durante o exílio em Londres, e que foram depois se distanciando fisicamente.

Caetano se tornou, segundo suas próprias palavras, funcionário-padrão da música popular brasileira. Mautner ganhou alcunha de maldito, de carreira errática e quase sempre marginal.

"É época de esbanjamento, de luxo. Sempre tive a imprensa e gravadoras do meu lado, mas toda a maldição foi escolhida por mim por luxúria, hedonismo, irresponsabilidade excessiva", expõe Mautner, usando o chiste de que ele haveria gozado a vida enquanto seus pares tropicalistas acumulavam fama e fortuna.

Caetano ouve-o quase em silêncio, entre um "é verdade" e outro "tem a ver". E então se manifesta, num tom de parcial mea-culpa: "Vai longe isso... Me dedico muito a defender coisas que nunca me interessaram, mas que acho que precisam ser preservadas. Nunca tive interesse em organizar a economia da minha vida, em gerar riqueza, em participar da reprodução dos sucessos comerciais. São coisas que desprezava, como que me sentindo ao lado e acima".

Daí à autojustificativa: "Mas tenho um amor muito grande pelo amadurecimento da indústria da música popular no Brasil. São coisas às quais me sinto preso, em vez de experimentar livremente, como um artista livre. Me sinto mais real, e sou muito apaixonado por essa história para ter vontade de me afastar. Era como se eu quisesse ser mimado...".

O disco seria uma tentativa de impulsionar o amigo à mesma experiência vivida por Tom Zé, primeiro tropicalista, depois dissidente maldito e recentemente reabilitado para o mercado?

"Não pensei nesses termos, não. O que aconteceu com Tom Zé foi maravilhoso, mas o que me interessa aqui é o que pode ser dito nesta parceria. Quis fazer um disco com Mautner para dizermos coisas que só poderíamos dizer em conjunto. É uma necessidade minha, fiz mais para mim do que para ele. O que Jorge poderá fazer com os resultados depois não estou interessado", diz.

Mautner concorda, como de resto faz durante quase toda a entrevista: "É uma oportunidade para mim, você sabe que o artista tem altos e baixos. Como ele diz, o que poderá resultar dependerá do meu fazer. E do destino".

Num cardápio de canções "quase cômicas" (no dizer de Caetano), sexo e morte se tornam temas constantes. Ali cabem desde temas como "Tarado" e "Doidão" a "Morre-se Assim" e até um manifesto antidroga, de Mautner e Gilberto Gil.

Caetano compra o discurso: "Não quis nem entrar na parceria, porque não tenho intimidade com esse negócio de drogas [ri]. Não gosto, quando tomei esses negócios foram os momentos mais infelizes que já passei. Uma das coisas que mais odeio é a cocaína. Odeio a economia abjeta que ela criou, o banditismo organizado e a corrupção policial que ela propiciou. Apóio esse posicionamento nítido do Mautner, e canto com um prazer enorme".

Mautner faz seu atalho: "Há aquele dizer de John Lennon: "O álcool e as drogas me deram asas para voar, depois me tiraram o céu". É um conselho inútil, mas eu diria que fundamental. Digo com experiência, porque a liberação era uma das bandeiras da revolução hippie e beatnik".

Nenhuma contradição de postura com o jovem que em 68 cantava "É Proibido Proibir", diz Caetano: "As drogas são proibidas, não sou simpático à proibição. A legalização com desestímulo talvez fosse melhor".

De volta a seu amor pela música dita "mainstream", Caetano fala sobre pólos opostos como os de resgatar Mautner para uma multinacional e, no episódio da numeração dos CDs, reproduzir o ponto de vista conservador dos mandatários das gravadoras.

"Em algum momento fiz o advogado do diabo. E daí que seja conservador? Se uma coisa precisa ser conservada, trabalharei para que ela se conserve. Não quero ver desmoronar o que foi conseguido com a música popular no Brasil, que é tão exuberante. Não vou deixar que ilusões esquerdistas viciadas venham atrapalhar."

Será que ele não vê que, pirateada e sucateada, a música brasileira é menos exuberante?

"Se a música brasileira estivesse saudável eu teria me preocupado menos. Marcelo Castello Branco, o presidente da minha gravadora, me procurou desesperado. Eu disse: como posso me manifestar quanto à numeração, se há tantos anos espero uma resposta convincente a respeito de uma questão muito mais terrível, que é o jabá [execução em rádio e TV mediante pagamento]? Respondeu que eu tinha razão, mas que havia essa emergência, e depois ele conversaria comigo."

Enquanto tal conversa não acontece, Caetano se esforça por pavimentar pontes entre lá e cá. Com "Eu Não Peço Desculpa", traz pelas mãos de volta à sua gravadora (Universal) o primo pobre Mautner, que, profético Robin Hood, lá estreou há 30 anos, fundando um selo efêmero que, ironicamente, se chamava Pirata.

  Veja galeria da carreira de Caetano

Ouça:
  • Leia a cronologia da vida de Caetano Veloso, 60

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