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20/09/2002 - 03h15

Quadrinista português coloca jazz e Borges na mesma "banda"

DIEGO ASSIS
da Folha de S.Paulo

"Banda" lá é sinônimo de "tira" aqui. E, se depender de "O Quiosque da Utopia", obra maior do quadrinista português José Carlos Fernandes, o termo "pior" também está próximo de ganhar um novo sentido na língua falada por aqui: talvez até o seu antônimo.

Tudo começa com uma banda -nesse caso, musical mesmo- que vem tentando tocar uma música direito há pelo menos 30 anos. Para ser mais preciso, um trio, formado por Sebastian Zorn, Ignacio Kagel e Anatole Kopek. Duke Ellington, Thelonious Monk, Coltrane e "Cannonball" Aderley disputam espaço no repertório da Pior Banda do Mundo. Perfeito, não fosse o fato de que todos esses ícones do jazz "falam" ao mesmo tempo.

"Eles têm boa vontade, mas é uma boa vontade difusa, algo como o calor de baixa temperatura, que é a forma mais abundante de energia no universo, mas não serve para nada", resume o autor de 37 anos em entrevista à Folha.

Formado em engenharia florestal e ex-funcionário do Instituto de Conservação da Natureza, em Portugal, José Carlos Fernandes entrou para o mundo da "banda desenhada" (outra vez: que é como os portugueses chamam as suas histórias em quadrinhos) há cerca de 13 anos. De lá para cá, publicou pelo menos sete álbuns, dos quais, muito provavelmente, brasileiro nenhum ouviu falar, à exceção de "Coração de Arame", lançado recentemente pela Devir.

A sala especial dedicada ao artista no Salão do Humor de Piracicaba e a chegada de "O Quiosque da Utopia", primeiro dos cinco livros da série "A Pior Banda do Mundo Apresenta", tentam corrigir essa gafe. O álbum é uma coleção de 32 histórias de duas páginas cada ("one-shots") e, mais importante, de um sem-número de personagens trazidos à vida pela irônica pena de Fernandes. "Tenho me sentido tão confortável dentro desse universo, onde posso criar personagens que se extinguem em duas páginas, que sempre haverá uma nova história aparecendo", conta o quadrinista, cuja principal influência é Jorge Luis Borges.

"Dentre as várias lições que tiro da obra de Borges, uma delas é sua extrema concisão, não há nenhuma palavra supérflua", afirma Fernandes, que homenageia o escritor argentino desenhando-o em uma ou duas passagens neste "O Quiosque da Utopia". "Ele é a iminência parda do livro", brinca.

De jazz a Borges, de Borges -eterno guardião da maior biblioteca do mundo- às profissões e manias mais bizarras que o ser humano pode criar, "O Quiosque da Utopia" nos introduz às ocupações de "serrilhador de selos", "fiscal municipal de isqueiros", "colecionador de coincidências", "líder do partido idiossincrático nacional" etc. O absurdo é moeda corrente nesta gigantesca banda da natureza humana regida pelo quadrinista português.

"Tem um pouco de humor por trás de algumas delas. Já o fiscal de isqueiros, por exemplo, que pode parecer uma profissão surreal para muitos, foi na verdade uma função criada nos tempos do fascismo em Portugal para fortalecer o monopólio estatal da fabricação de fósforos", diz. "As ditaduras e as burocracias extremas, em sua tentativa de racionalidade, chegam ao ponto de criar monstros."

Bem-vindos ao universo dos quadrinhos europeus. Se daqui lhes enviamos o melhor de Laerte, Adão e Angeli -verdadeiros sucessos de público em Portugal-, de lá, Fernandes chama a atenção para nomes como Miguel Rocha, João Fazenda e Luiz Louro. O intercâmbio, como sempre, só trará vantagens para os dois lados.

A PIOR BANDA DO MUNDO APRESENTA: O QUIOSQUE DA UTOPIA. Autor: José Carlos Fernandes. Editora: Devir Livraria. Preço: R$ 25 (71 págs., cor).
 

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