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21/09/2002 - 02h52

Antologia contorna mutabilidade da poesia universal

NELSON ASCHER
da Folha de S.Paulo

A principal dificuldade de organizar uma megaantologia da poesia universal como "Rosa do Mundo" está no fato de que seu objeto não pára quieto, isto é, recusa-se a ficar imóvel e imutável à espera de quem vá lhe colher as flores selecionadas (pois é isso que "antologia" e seu sinônimo "florilégio " querem dizer).

O conjunto da poesia universal cresce, obviamente, rumo ao futuro, mas essa complicação se resolve por decreto: nesse caso, impondo como limite cronológico o fim da Segunda Guerra. Mas ela cresce também para trás, ou, prolongando a metáfora vegetal, enraíza-se num passado cada vez mais remoto, seja devido à descoberta de mais um manuscrito egípcio, seja em virtude da decifração de alguma língua ou escrita antes inacessível.

Ademais, a definição da poesia também se altera, geralmente no sentido de uma abrangência maior, de modo que, à medida que fragmentos de prosa, letras de canção, trabalhos gráficos ou manifestações sonoras não-verbais passam a ser chamados de poemas, o mesmo sucede, no domínio do pretérito, com preces arcaicas, hinos, horóscopos e profecias, pragas e invocações rituais .

Convém recordar que, antes de os criadores do romantismo europeu, particularmente alemães como Johann Gottfried von Herder (autor da expressão "Volkslied" -"canção folclórica"), começarem a se debruçar sobre o que cantarolavam os camponeses iletrados, quase nada daquilo que integra o repertório de poesia oral da humanidade era considerado arte propriamente dita nem merecia, portanto, atenção.

O grande mérito de "Rosa do Mundo" consiste em dedicar mais de 1/3 de suas quase 2.000 páginas às tradições arcaicas e/ou orais, realizando assim o esforço de reproduzir em português um dos trabalhos poéticos mais instigantes das últimas décadas, trabalho cujos resultados mais destacados em inglês e francês incluem: "Trésor de la Poésie Universelle", de Roger Caillois, e Jean-Clarence Lambert, "Technicians of the Sacred", de Jerome Rothenberg.

Como sempre em antologias semelhantes e mais acentuadamente em português, o empecilho por excelência é obter traduções. Quantas pessoas têm acesso direto ao náuatle ou quétchua (idiomas dos astecas e dos incas), ao sânscrito ou tibetano, a alguma língua dos aborígenes australianos? E, se acaso alguns especialistas conhecem tais ou quais idiomas, quantos são capazes de transformar originais escritos naqueles em poemas no nosso?

Se há algo que este volume demonstra é que a desenvoltura na língua para a qual se traduz é, pelo menos no âmbito poético, mais importante do que a familiaridade com aquela na qual o poema (ou canção, prece etc.) foi composto. Daí que, independentemente de sua origem ou da tradução intermediária utilizada, o resultado é tanto melhor quanto melhor é o poeta que o produziu. Assim, embora os organizadores, para completar seu total de 2001 poemas (referindo-se aos eventos do ano de 2001, durante o qual o Porto foi a capital européia da cultura), tenham lançado mão de traduções antigas ou recentes publicadas dos dois lados do Atlântico (inclusive uma do presente resenhista), entre todas, as que melhor resolveram os textos primitivos/arcaicos são as do poeta português Helberto Helder.

ROSA DO MUNDO - 2001 POEMAS PARA O FUTURO - Direção editorial: Manuel Hermínio Monteiro. Organização: Manuela Correia. Editora: Assírio & Alvim. Porto, Portugal, 2001. Quanto: R$ 157,10 (1.920 págs.)
 

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