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25/09/2002 - 02h30

Filme de Michael Moore questiona o belicismo da sociedade americana

PEDRO BUTCHER
crítico da Folha de S.Paulo

No grupo de cinco jornalistas que entrevistava Michael Moore em Cannes, um dia depois da exibição de seu filme "Tiros em Columbine" na competição do festival, havia um suíço. A entrevista começou com papéis invertidos. "É verdade que na Suíça os homens podem ter arma em casa?", perguntou Moore. "Sim, se ele for do Exército", disse o suíço. "Mas em seu país a maior parte dos homens faz parte do Exército e, portanto, tem arma em casa", completou Moore, tendo a confirmação do jornalista. "Então como é isso? Por que vocês não se matam uns aos outros?"

A pergunta, retórica, ficou sem resposta, mas deixou evidente a questão de fundo de "Tiros em Columbine": por que os americanos se matam uns aos outros? O filme de Moore, que marcou a volta do gênero documental à competição de Cannes depois de 46 anos, começa questionando a paixão pelas armas dos americanos, mas vai além: "Não fiz um filme sobre armas, mas sobre nossa cultura do medo e como essa cultura nos leva a atos de violência, interna e internacionalmente".

Ainda sem distribuição no Brasil, "Tiros em Columbine" é uma das principais atrações do Festival do Rio BR 2002, que começa hoje no Rio de Janeiro. Recebeu, merecidamente, o prêmio especial do 55º aniversário do Festival de Cannes. Com estréia marcada para outubro nos EUA, é forte candidato aos prêmios das associações de críticos, mas dificilmente chegará ao Oscar, com seu tom altamente provocativo.

Diretor de "Roger & Me" e criador da série de TV "The Awful Truth", Moore toma como ponto de partida o trágico massacre de 20 de abril de 1999, quando dois alunos da Columbine High School de Littleton, Colorado, entraram armados no refeitório da escola matando 12 pessoas e ferindo outras 23. Para explicar a tragédia, propõe correlações ousadas, incluindo em seu rol de entrevistados Charlton Heston (presidente da National Rifle Association) e o cantor Marilyn Manson, entre tantos outros.

Folha - O senhor nasceu em Flint, Michigan, Estado com alto índice de armas por residência. Pode-se dizer que conhece a cultura bélica dos EUA de perto?
Michael Moore
- Quando era adolescente, eu me tornei sócio da National Rifle Association, como todos os meus amigos na época. Tenho a carteirinha até hoje. A NRA foi criada um pouco depois da proibição da Ku Klux Klan, para defender a posse de armas como direito exclusivo dos brancos. Durante um curto período de tempo foi uma entidade que defendia o direito à caça controlada de animais. Charlton Heston e outras pessoas a tornaram de novo uma organização política de direita. Além disso, cheguei a conhecer de vista Terry Nichols, parceiro de Timothy McVeigh na explosão de Oklahoma City, pois ele estudou numa escola ao lado da minha. E Eric Harris, um dos assassinos de Columbine, passou parte de sua juventude numa cidade colada a Flint, onde nasci.

Folha - O senhor já foi criticado por usar humor para falar de assuntos sérios.
Moore
- Muitos intelectuais de esquerda não gostam do meu trabalho porque acham que apelo para um humor bobo. Mas é assim que eu me comunico com as pessoas. Um dos meus objetivos principais é chegar aos jovens e ser visto pelo maior número de pessoas possível.

Folha - O senhor não confunde as coisas quando mistura a violência militar, patrocinada pelo Estado, e a violência interna nos EUA?
Moore
- Esse é o ponto, justamente. A meu ver há uma diferença grande e não há diferença nenhuma. São peças da mesma máquina. Obviamente não estou dizendo que, pelo fato de os pais dos alunos de Columbine trabalharem na indústria que fabrica armas de destruição em massa, eles são responsáveis pelo massacre na escola. Não faço uma conexão direta. Mas estou dizendo que, se você vive numa sociedade que afirma ser OK construir mísseis e que é OK fazer o que fazemos como "americanos", não há uma grande distância em dizer que a violência é um meio legítimo.

Folha - E o que alimenta essa violência?
Moore
- O medo. O medo faz parte de nosso "DNA cultural". Não sabemos diferenciar entre o medo real e o medo fabricado. E o fascismo aflora quando o povo está com medo.

Folha - Seu livro "Stupid White Men", um manifesto bem-humorado contra Bush, ficou meses na lista dos mais vendidos nos EUA. A que atribui esse sucesso?
Moore
- Eu o escrevi achando que ninguém compraria, mas a resposta foi impressionante, o que significa que existem milhões de americanos que concordam comigo. Depois do vexame das eleições, Bush só conseguiu aprovação de fato depois de 11 de setembro, porque qualquer grupo social atacado se refugia em seu líder, não importa quem seja esse líder. Mas Bush está muito longe de ter sido um presidente querido e eleito legitimamente.

Folha - A National Rifle Association já se pronunciou em relação a seu filme?
Moore
- Não, mas estou esperando reações fortes depois da estréia nos EUA. Os sócios do NRA são muito agressivos. Não são do tipo que aceitam críticas.

Folha - Depois que você filmou Charlton Heston, ele tentou impedi-lo de usar o material no filme?
Moore
- Não, mas quando ia saindo de sua casa, me deparei com o portão trancado. E ninguém aparecia para abrir. Pensei que eles tinham chamado alguém para tirar o filme da gente. Mas havia dois amigos meus do lado de fora do portão. Liguei para eles, tirei o filme da câmera, joguei por cima do muro e disse para irem embora. Depois de um tempão, o portão abriu.

Folha - O senhor deixou algum material de fora do filme?
Moore
- Tem uma ótima história que filmei durante dois anos, sobre um garoto que foi expulso da escola depois do massacre de Columbine porque fez uma piada. Ele disse algo como "bem que a gente podia fazer um Columbine aqui na escola". Foi expulso e processado por tentativa de homicídio como um adulto. Tem 11 ou 12 anos. Talvez essa história vire um outro filme.

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