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04/08/2000 - 04h16

Gramado: Ruy Guerra assusta com seu cinema-sepultura

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INÁCIO ARAUJO, da Folha de S.Paulo

O curta-metragem "Retrato do Artista com um 38 na Mão" devia ser um complemento obrigatório a "Estorvo", o polêmico filme de Ruy Guerra exibido na quarta pelo festival.

No curta, Guerra faz o papel do pintor obcecado pela morte. Em "Estorvo", adaptado do romance de Chico Buarque, a morte é também uma presença onipresente.

"Estorvo" é um incômodo. A história do homem que se acha perseguido, tenta retomar a posse de um sítio abandonado e ama incestuosamente a irmã não parece a princípio fazer sentido. Depois, resiste ao sentido.
Por fim, deixa-se apreender como um enamoramento pela morte, menos a física do que a morte da modernidade, que impregna a obra de Guerra.

O filme foi recebido com frieza em Cannes. Num festival obcecado pela atualidade, não existe lugar para o tipo de reflexão a que se dedica Ruy Guerra, voltada para o passado. Já se disse que "Estorvo" parece um filme dos anos 70.

"Estorvo" é uma obra à qual se pode aplicar -apenas com ligeiras adaptações-, a definição de Leda Tenório da Motta para a poesia de Paul Celan (em "Francis Ponge - O Objeto em Jogo", da ed. Iluminuras): cinema-sepultura, hermético, quase mudo, tanático.

O hermetismo é acentuado pelo jogo de vozes, em que se misturam o português do Brasil, o de Portugal (ou Moçambique), o portunhol. Uma Babel que corresponde à agilidade do trabalho de câmera, que no entanto não alimenta a visualidade do filme.

Pelo contrário, a câmera ágil parece feita para desorientar o olhar, para impedir-nos de ver. Como se "Estorvo" existisse para afirmar a impossibilidade do visível neste mundo de inflação da imagem.

Seria preciso mais do que um milagre para que um filme dessa ordem fosse recebido com entusiasmo. Gramado recebeu-o com aplausos convencionais e cheios de compreensível espanto. Não é pouco para um miúra como esse, que não apenas desdenha como descrê da comunicação. E o faz com uma integridade absoluta.

Melhor sorte teve o mexicano "Santitos", de Alejandro Springall, que parte de uma premissa bem melodramática: mulher acredita que a filha, supostamente morta após uma operação de amígdalas, não teria na verdade morrido. Essa crença lhe é dada por São Judas Tadeu em pessoa, ou antes, em aparições.

Ela inicia uma busca da menina, que leva essa mulher religiosa a frequentar bordéis, viajar até Los Angeles e envolver-se no mundo da luta livre. Em outras palavras: se Springall acena com um repertório digno das piores novelas, a evolução de seu filme incorpora a influência profunda que o surrealismo deixou no país. No final, foi aplaudido com entusiasmo.

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