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16/10/2002 - 11h41

Livro "Fúria Santa" radiografa Cacilda Becker

VALMIR SANTOS
da Folha de S. Paulo

Gerações que nunca viram, mas sempre ouviram falar de Cacilda Becker (1921-69) ganham a primeira biografia de fôlego do mito do teatro brasileiro.

A mulher e a atriz são superpostas em "Cacilda Becker -°Fúria Santa", de Luís André do Prado. O livro da Geração Editorial será lançado no próximo dia 22, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), palco que a acolheu em cerca de 30 anos de carreira.

Foi no TBC, em 6 de maio de 1969, que Cacilda passou mal no intervalo de "Esperando Godot", de Samuel Beckett, montagem dirigida por Flávio Rangel. Contracenava, entre outros, com Walmor Chagas, de quem havia se separado há pouco.

"Fúria Santa" abre justamente com uma espécie de radiografia daquela tarde, uma matinê para estudantes secundaristas. "Estou tendo um derrame", dizia Cacilda Becker. Pedia analgésico para a forte dor de cabeça, mas não conseguiu retornar para o segundo ato. Aos 48 anos, a atriz deixou o teatro numa ambulância. Morreu após 39 dias de coma profundo.

"O Campos [administrador do TBC] entrou, pegou a Cacilda nos braços, e minha mãe saiu dali vestida de Estragon, aquela roupa toda rasgada do personagem, nos braços dele", recorda o filho Luiz Carlos Becker Fleury Martins, que estava no teatro. Trata-se de um dos depoimentos que perfazem cerca de 135 horas de fitas gravadas pelo autor.

"Esperando Godot" também surge emblematicamente no desfecho do livro. Entre a "espera" e a "chegada", estão 19 capítulos que moldam a biografada.

O jornalista mineiro Luís André do Prado afirma que cuidou para que o projeto não fosse apologético, dado o fascínio exercido pela figura de Cacilda. O autor nunca a viu em cena, tinha 14 anos quando ela morreu, mas a pesquisa o deixou tão impactado quanto os seus entrevistados.

Tal equilíbrio, diz Prado, foi alcançado ao conjugar a emoção stanislavskiana com o distanciamento brechtiano -referência a dois teóricos da interpretação, o russo Constantin Stanislavski e o alemão Bertolt Brecht.

"Espero ter conseguido apresentar um trabalho que traz elementos históricos para ajudar a compor a identidade artística e humana dessa personalidade tão marcante que foi Cacilda", afirma Prado, 47.

Das origens dos avós e bisavós (de ascendências alemã, italiana e grega), nos séculos 18 e 19, à mobilização da classe artística durante o regime militar, nos anos 60, "Fúria Santa" não perde a perspectiva histórica em sua narrativa de fundo. E isso é feito de forma cadenciada, sem tornar a leitura maçante, observa o autor.

A especialidade no resgate de histórias orais também o auxiliou na estruturação dessa empreitada. O livro descreve as dificuldades de sobrevivência da família de Cacilda, que nasceu em Pirassununga (SP) e passou parte da adolescência em Santos.

A mãe, a professora Alzira Becker, foi âncora para ela e as irmãs, Dirce e Cleyde Yáconnis -esta também trilhou a carreira e dá depoimento ao autor.

O pai, Edmundo Iáconnis (também se grafa com "i"), abandonou mulher e filhas, o que destinou à mais velha, Cacilda, o preenchimento da figura paterna, ela que cuidava das irmãs.

São abordadas a inclinação para a dança e a "descoberta", em Santos, aos 16 anos, pelo crítico Miroel Silveira, que a convenceu a viajar para o Rio e iniciar a carreira na arte da representação.

Em 1943, Cacilda integra o Grupo Universitário de Teatro, dirigido por Décio de Almeida Prado, que depois se tornaria o principal crítico do país.

A passagem pelo TBC, entre 1948 e 1957, representa um dos momentos mais efervescentes, para bem e para mal, se é que cabe a dicotomia. É nesse período que ela se separa do ator Tito Fleury, envolve-se com Adolfo Celi e conhece Walmor Chagas, com quem se casa, adota Maria Clara Becker e vem a criar a cia. Teatro Cacilda Becker (TBC), que tocou até o final da vida.

A "orquídea rara", segundo Miroel Silveira, "crispada de sonho", segundo Nelson Rodrigues, "um gênio de que não tenho lembrança ou esperança de ver igualado no teatro brasileiro", segundo Paulo Francis, enfim, "Fúria Santa" pretende dar conta desse caleidoscópio.

CACILDA BECKER - FÚRIA SANTA
Autor:
Luís André do Prado
Prefácio: Alberto Guzik
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 49 (626 págs.)
Lançamento: no dia 22, às 19h, no TBC (r. Major Diogo, 315, SP, tel. 0/xx/11/3115-4622)
 

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