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25/10/2002 - 02h32

Comédia mostra a influência da "doutrina Bush" em Hollywood

SÉRGIO DÁVILA
Enviado especial da Folha a Los Angeles

A princípio, "Sou Espião" ("I Spy"), novo filme com a dupla de atores Eddie Murphy e Owen Wilson, dirigido por Betty Thomas ("Dr. Doolittle"), é mais uma comédia de ação. E uma boa comédia, por sinal, que marca a volta de Murphy à velha boa forma e deve render sequências.

Um exame mais atento, no entanto, revela uma curiosa tendência ao longo do filme, que estréia dia 1º de novembro nos EUA e chega ao Brasil em janeiro: o subtexto da ação se casa perfeitamente com a ideologia da chamada "Doutrina Bush"; do mesmo jeito, ataca o "Eixo do Mal".

"Doutrina Bush" é como foi batizado um conjunto de diretrizes unilaterais de política externa anunciadas pelo atual governo norte-americano, que basicamente dividem o mundo entre os que apoiam o terrorismo e os que o combatem.

Antes, pelo mesmo motivo, o presidente George W. Bush já havia classificado como parte do "Eixo do Mal" os países Coréia do Norte, Irã e Iraque.

Em "Sou Espião", os vilões são militares norte-coreanos tentando comprar um avião secreto roubado do Pentágono.

Quando finalmente conseguem a aeronave e nela instalam um artefato nuclear, dá-se o seguinte diálogo:

-Mas este artefato parece primitivo, diz o vendedor.

-Espere até ver o estrago que ele fará em Washington, responde um general.

Mais adiante, para graça da platéia, Owen Wilson chama os vilões de "evildoers", "malfeitores", em inglês, palavra preferida de Bush para se referir ao saudita Osama bin Laden e aos terroristas da Al Qaeda.

Logo, é o próprio presidente que aparece na trama. Primeiro, num telefonema para o personagem de Eddie Murphy, em que o presidente (não o próprio, claro, mas uma imitação convincente de sua voz) apela para sentimentos patrióticos de seu interlocutor para convencê-lo a lutar contra os terroristas.

E, no final, como recompensa, o agente secreto interpretado por Gary Cole desfila em carro aberto com o mesmo Bush, numa fotomontagem publicada na capa do jornal "USA Today".

Indagada pela Folha se o clima favorável ao governo no filme era intencional, a diretora Betty Thomas hesitou por um momento, para então responder: "Sim, é intencional. Totalmente intencional. Eu acho o Bush um cara engraçado, muito engraçado".

A declaração fez com que o ator Owen Wilson, sentado a seu lado durante a entrevista, ironizasse: "Não estou acreditando! Você foi flagrada! A imprensa brasileira descobriu a agenda política secreta de Betty Thomas...".

Brincadeiras à parte, o tom francamente favorável de "Sou Espião" a George W. Bush é motivado por mais do que apenas o fato de o presidente ser ou não um "cara engraçado". No final de 2001, instruído pelo governo, um enviado do Pentágono sentou-se com representantes de estúdios de Hollywood para conversar.

Na reunião, amplamente noticiada pela imprensa na época, o militar pedia ajuda da comunidade do entretenimento na luta contra o terrorismo. E como eles poderiam ajudar?, perguntaram os executivos das empresas.

De duas maneiras: colaborando com a divisão Assuntos Civis do Exército na confecção de filmetes pró-Ocidente a serem exibidos em lugares públicos no Afeganistão (o que vem mesmo ocorrendo) e, na medida do possível, colocando a agenda antiterror nos filmes a serem produzidos.

"Sou Espião" é o primeiro, mas repare como deve haver uma substituição gradativa dos vilões de sempre, de árabes e latinos em geral para especificamente norte-coreanos/iranianos/iraquianos e traficantes sul-americanos.

O filme indica ainda o começo de uma tendência, reforçada no último fim de semana pelo programa humorístico de TV "Saturday Night Live": depois de 11 de setembro, os republicanos vêm tendo cada vez mais influência em Hollywood em particular e na comunidade de entretenimento em geral, antes um reduto exclusivamente democrata.

No sábado passado, por exemplo, o senador John McCain, pré-candidato derrotado à Presidência pelo Partido Republicano nas últimas eleições, se tornou o primeiro representante do Senado ainda em atividade a apresentar o "Saturday Night Live".

Aliado de Bush, McCain não deixou de atacar os democratas em pelo menos um quadro, em que imitava a cantora e militante Barbra Streisand: "Há anos ela vem me dizendo como fazer meu trabalho, agora é minha vez de fazer o mesmo com ela".

A própria redatora-chefe do programa, Tina Fey, vem se revelando cada vez mais partidária da "Doutrina Bush". No mesmo dia, falando da revelação de que a Coréia do Norte teria componentes de armas nucleares, ela disparou: "França, vocês que vivem discutindo tudo, por que não vão discutir isso lá com eles?".
 

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