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21/11/2002 - 03h29

Evento de teatro carioca apresentou espetáculos de 13 grupos

SÉRGIO COELHO
Crítico da Folha

Sexta-feira de manhã na malharia Zarkos: Medéia está prestes a sacrificar os filhos. Abraçada a dois vasos, Cybele Jácome ouve atenta seu diretor Antonio Guedes -que a impede de gritar- e a dramaturgista Fátima Saadi -zelosa pelas preposições de sua intensa releitura do clássico de Eurípedes.

A jovem e séria atriz se arriscou a vir do Recife e, embora amargando as dificuldades de um patrocínio que não chega, sabe que tem tudo a ganhar.

Está nas mãos do Teatro do Pequeno Gesto, companhia de repertório que há 11 anos promove a utopia de um "teatro regular do pequeno número", produção consagrada na sua revista "Folhetim". Na malharia com nome de ilha grega, emprestada pela família, a companhia tem a paciência de Penélope para sobreviver em uma produção sem nomes famosos, para a qual o patrocínio é às vezes confundido com donativo.

Por isso, quando Jácome faz o amplo gesto de atirar os "filhos" ao chão, Guedes prudentemente lhe tira os vasos: em véspera de estréia, cada centavo é poupado.

O Teatro do Pequeno Gesto é um exemplo entre vários que desmente o clichê do teatro carioca limitado ao besteirol e aos atores de TV. O riocenacontemporânea -festival que apresentou 13 grupos de 10 a 17 de novembro- teve o mérito de dar vazão a esse Rio subterrâneo, mostrando processos como o dessa Medéia, assim como leituras do teatro francês contemporâneo, promovidas pela associação L'Acte, na Aliança Francesa.

No mesmo dia 17 de novembro em que o Botafogo foi rebaixado, uma privilegiada platéia testemunhou o lírico e lúdico "M. Armand, Vulgo Garrincha", de Serge Valleti, ser defendido pelo ótimo ator francês Vincent Winterhalter e por Fernando Alves Pinto, que fez com o texto o que o jogador Garrincha fazia com a bola, longe da TV e da fama, pois, sem trabalho, a fama é efêmera como uma falcatrua.

Os Dezequilibrados

Domingo na calçada de Copacabana. Gerald Thomas me explica a geopolítica das praias e como os atores de TV, murados pelo trânsito em uma cidade satélite, vêm perdendo o contato com as bases teatrais. Lamenta ter que se exilar em breve de um Brasil com que sonhava na Anistia Internacional, enquanto planeja uma grande retrospectiva José Celso na Kampnagel Fabrik de Hamburgo, um complexo de nove salas de vanguarda teatral do qual agora é curador.

De todo modo, Thomas continuará presente no Rio por meio de seus discípulos do grupo Os Dezequilibrados. Com "Vida, o Filme", o jovem diretor e dramaturgista Ivan Sugahara promove verdadeira cura de desintoxicação dos "reality shows", alinhavando happenings (o impagável homem-bomba que recita o monólogo de Hamlet) com panfletos inflamados pelo teatro vivo, misturando realidade e ficção no mítico saguão do Espaço Unibanco.

Após muitos anos de teimosa militância no circuito alternativo, Os Dezequilibrados estão prontos para assumir a vanguarda teatral, graças ao impulso do riocenacontemporânea.

No emocionado final, apela: "Cacilda morreu, mas Estragon continua esperando. Eu sou Godot. Eu estou indo, sempre indo. Me esperem, por favor".

Não, o teatro carioca não estagnou no besteirol. Muito além de clichês, tragicômico e negociando alternativas, o Rio de Janeiro continua indo.
 

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