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23/11/2002
-
04h23
crítico da Folha
Em um texto de 1963, o crítico de cinema Paulo Emilio Sales Gomes dizia que já se preparava para a morte de Charles Chaplin. Diante de uma fragilização daquele que lhe ensinou tanto, o autor tinha que estar pronto para o impacto da notícia, para digeri-la e pronunciá-la. Ingrata função do jornalista.
Impossível estar preparado, no entanto, para o falecimento de Amilcar de Castro. Quem acreditaria que, com 82 anos e com problemas de saúde, retirasse do ferro o que retirava?
A aparência de seus trabalhos e sua atuação em diversas frentes, com tanto vigor, indicava longevidade. Quem não se assustará ao saber que o artista nos deixa logo agora em que vivia um auge de sua carreira?
Na década de 50, quando abraça o construtivismo concreto, não pula no barco da ortodoxia. Relembra os exercícios de desenho com lápis duro dados por Guignard. Casada com a reflexão neoconcreta, de cujo manifesto foi signatário, tal produção se torna uma das mais potentes da arte nacional.
Em 59, renova as artes gráficas do país, mudando o desenho do "Jornal do Brasil". Já havia feito um projeto para a revista "Manchete", em 54, mas foi com o "JB" que produziu um desenho moderno, em que limpava as linhas do jornal e deixava a disposição dos textos e imagens mais livre e plástica. Como artista gráfico continuou até seus últimos dias, no Jornal de Resenhas, na Folha.
Mas onde o artista atuou com maior liberdade foi em suas esculturas de chapa de metal. Tinha um gesto enérgico, mas não o usava para conformar o material. Suas peças mostravam toda a beleza da carga bruta do minério. Eram enferrujadas, pesadas e ásperas, mas apareciam com delicadeza.
Nas peças fendidas no meio e abertas para o mundo, dos anos 70, a chapa de ferro plana sugere volume. Aberta, ela se faz de cubo. Entretanto o que vemos é a flexão da chapa enferrujada insinuando tridimensionalidade. Com o tempo o corte foi se tornando cada vez mais irregular. Nas peças mais largas, sugeria um equilíbrio momentâneo entre as partes.
Em duas de suas últimas exposições, na Pinacoteca (SP) e no Armazém (RJ), elas partiam de formas geométricas irregulares. As chapas dobradas tentavam instituir uma convivência entre duas partes desarmônicas que indicavam a possibilidade de uma derrubar a outra. A vigorosa dobra lateral segurava as esculturas equilibradas e graciosas. Diante de nós bailavam para não despencar.
Para quem viu essas peças, a impressão de que a escultura de Amilcar contava com, pelo menos, uns 30 anos de vida não era ilusória. Talvez nem o artista acreditasse na proximidade dessa tragédia. Quando esculpia ou desenhava brincava com a imortalidade. E ela ficou inscrita nesses trabalhos.
Amilcar de Castro esculpiu a imortalidade em suas peças
TIAGO MESQUITAcrítico da Folha
Em um texto de 1963, o crítico de cinema Paulo Emilio Sales Gomes dizia que já se preparava para a morte de Charles Chaplin. Diante de uma fragilização daquele que lhe ensinou tanto, o autor tinha que estar pronto para o impacto da notícia, para digeri-la e pronunciá-la. Ingrata função do jornalista.
Impossível estar preparado, no entanto, para o falecimento de Amilcar de Castro. Quem acreditaria que, com 82 anos e com problemas de saúde, retirasse do ferro o que retirava?
A aparência de seus trabalhos e sua atuação em diversas frentes, com tanto vigor, indicava longevidade. Quem não se assustará ao saber que o artista nos deixa logo agora em que vivia um auge de sua carreira?
Na década de 50, quando abraça o construtivismo concreto, não pula no barco da ortodoxia. Relembra os exercícios de desenho com lápis duro dados por Guignard. Casada com a reflexão neoconcreta, de cujo manifesto foi signatário, tal produção se torna uma das mais potentes da arte nacional.
Em 59, renova as artes gráficas do país, mudando o desenho do "Jornal do Brasil". Já havia feito um projeto para a revista "Manchete", em 54, mas foi com o "JB" que produziu um desenho moderno, em que limpava as linhas do jornal e deixava a disposição dos textos e imagens mais livre e plástica. Como artista gráfico continuou até seus últimos dias, no Jornal de Resenhas, na Folha.
Mas onde o artista atuou com maior liberdade foi em suas esculturas de chapa de metal. Tinha um gesto enérgico, mas não o usava para conformar o material. Suas peças mostravam toda a beleza da carga bruta do minério. Eram enferrujadas, pesadas e ásperas, mas apareciam com delicadeza.
Nas peças fendidas no meio e abertas para o mundo, dos anos 70, a chapa de ferro plana sugere volume. Aberta, ela se faz de cubo. Entretanto o que vemos é a flexão da chapa enferrujada insinuando tridimensionalidade. Com o tempo o corte foi se tornando cada vez mais irregular. Nas peças mais largas, sugeria um equilíbrio momentâneo entre as partes.
Em duas de suas últimas exposições, na Pinacoteca (SP) e no Armazém (RJ), elas partiam de formas geométricas irregulares. As chapas dobradas tentavam instituir uma convivência entre duas partes desarmônicas que indicavam a possibilidade de uma derrubar a outra. A vigorosa dobra lateral segurava as esculturas equilibradas e graciosas. Diante de nós bailavam para não despencar.
Para quem viu essas peças, a impressão de que a escultura de Amilcar contava com, pelo menos, uns 30 anos de vida não era ilusória. Talvez nem o artista acreditasse na proximidade dessa tragédia. Quando esculpia ou desenhava brincava com a imortalidade. E ela ficou inscrita nesses trabalhos.
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