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09/08/2000 - 03h38

Salzburgo ignora extrema direita

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JOÃO BATISTA NATALI, da Folha de S.Paulo

O Festival de Salzburgo, aberto em 23 de julho e com o último espetáculo agendado para o próximo dia 31, navega em velocidade de cruzeiro, sem levar em conta os protestos gerados pela participação, desde fevereiro, da extrema direita no governo austríaco.

São ao todo 12 produções de óperas, 14 concertos e seis peças de teatro, numa máquina de produzir cultura criada em 1917 -é o mais tradicional festival europeu- e que se tornou uma referência anual para a aristocracia do mundo germânico.

Salzburgo não é bem uma cidade. É um cartão-postal da arquitetura barroca da Europa Central, com 180 mil habitantes e boa parte dos edifícios públicos construída entre os séculos 17 e 18.

Associa-se à idéia de música pelo óbvio fato de ter sido o local de nascimento de Wolfgang Amadeus Mozart, em 27 de janeiro de 1756. Tornou-se um marco cultural para que a Áustria, derrotada e desmembrada depois da Primeira Guerra Mundial, continuasse a vender sua imagem.

Uma imagem de custo bastante elevado. O festival opera este ano com um orçamento de R$ 84,6 milhões, menos da metade coberta pela venda de ingressos (eles custam até R$ 540). Um décimo vem do patrocínio privado, e o resto tem como origem subsídios governamentais.

Não há nas ruas e na movimentação dos hotéis indícios de que a
participação do Partido da Liberdade, de Joerg Haider, tenha se traduzido por alguma forma de boicote do público. Os ingressos se esgotaram por volta de abril.

A demanda é tão maior que a oferta que ainda domingo à noite, diante do local em que seria encenada "Iphigénie en Tauride", de Gluck (1714-1787), uma dúzia de melômanos postava-se de smoking debaixo de uma chuva fria, empunhando pequenos cartazes em que pedia desesperadamente para comprar algum ingresso que estivesse sobrando.

Dois únicos artistas recusaram-se por motivos políticos a se apresentar na Áustria. São eles o pianista Andras Schiff e o diretor cênico Patrice Chéreau. O diretor do festival, o belga Gérard Mortier, chegou a se demitir em fevereiro diante dos rumos políticos de um país submetido ao regime de "vigilância" por parte de seus 14 parceiros da União Européia.

Mas recuou em seguida. Uma discreta movimentação de bastidores evitou que a abertura do festival se tornasse uma manifestação do governo. O primeiro-ministro Wolfgang Schuessel não compareceu. Veio em seu lugar o presidente da República Thomas Klestil, hostil à coalizão oficial.

Por sua vez, tem sido mais que discreto o papel de Armin Fehle, próximo de Joerg Haider e nomeado para o Conselho de Administração do evento anual. Ele é por aqui cônsul honorário do Chile, cargo para o qual foi nomeado nos anos 70, em razão de suas simpatias pelo regime do general Augusto Pinochet.

Já que tudo continua aparentemente na mesma, o festival prossegue com sua tradição de montagens impecavelmente interpretadas e próximas do padrão "cult" do público europeu, com deslocamentos cronológicos da narrativa e dos personagens e com a escolha de cenários e figurinos mais para o abstrato.

Pouco a ver, por exemplo, com as produções do Met, de Nova York, onde o público geralmente aprecia as minúcias da verossimilhança. Por lá, um Leporello, personagem de "Don Giovanni", de Mozart, é da cabeça aos pés o pajem de um nobre de Sevilha. Em Salzburgo, ele pode aparecer como o motorista ou assessor de um executivo sênior.

O festival é, por fim, um espelho em que a Áustria se deleita ao ver refletida sua imagem de pátria da cultura, um país de 8 milhões de habitantes que se orgulha de ter mais músicos que soldados e que se sobrepõe nesta época do ano à França e à Inglaterra. Só disputa a primazia com a Alemanha, por conta do Festival de Bayreuth, onde são encenadas anualmente, desde 1876, as óperas de Richard Wagner.

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