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15/12/2002
-
05h57
da Folha de S.Paulo
Já vai longe o tempo em que a tarde na TV era dedicada às crianças. Capitão Aza, a turma da Vila Sésamo, do Sítio do Picapau Amarelo, Shazan e Xerife, Capitão Furacão, Xuxa, Angélica e outros ícones dos anos 60, 70 e 80 deram lugar a cenas de linchamento, tentativas de suicídio, reconstituições de crimes bárbaros e tiroteios de verdade.
Apesar dos programas de Eliana (Record, 14h) e da tarde da TV Cultura, totalmente composta por atrações infantis, muitos meninos e meninas preferem as atrações mais pesadas.
Cerca de 16% do público de Márcia Goldshimidt ("Hora da Verdade", 16h30), por exemplo, é composto por pessoas que têm entre quatro e 17 anos. O "Cidade Alerta" (Record, 17h45) foi visto em novembro por cerca de mais de 110 mil telespectadores nessa faixa etária, segundo o Ibope.
Para o ex-vice-presidente de Operações e atual consultor da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, a globalização encolheu as verbas publicitárias para programas infantis. "Mas isso não justifica a exploração da violência, do sexo e das fofocas. É evidente que a cobertura de polícia, serviços, direitos e defesa do consumidor são temas populares e importantes, mas não podem ser tratados de forma apelativa", diz Boni.
O novelista Walter Negrão, criador de "Shazan e Xerife", um dos maiores sucessos juvenis da década de 70, critica a violência como cultura. "Nenhuma violência dramatúrgica se compara aos programas de vampiros e urubus, feitos em cima da desgraça alheia", diz ele.
Para o psiquiatra Marcio Bernik, coordenador do ambulatório de ansiedade da faculdade de medicina da USP, a audiência desses programas torna-se cativa por causa de um processo químico.
"Para quem gosta de adrenalina, o efeito prazeroso dessas informações provoca vício. Com isso, a TV aumenta o teor para que a pessoa não consiga desgrudar os olhos da tela. É como a dependência do cigarro, com igual liberação de dopamina nas mesmas estruturas cerebrais", afirma.
Reação
No Colégio Equipe, na zona sul de São Paulo, alunos do ensino médio se uniram a organizações não-governamentais e associações de moradores de áreas como Capão Redondo e Jardim Ângela, para lançar um manifesto que propõe um Centro de Defesa do Telespectador.
A psicanalista e escritora Maria Rita Kehl, que integra a ONG TVer, afirma que a exposição de violência na TV prepara as crianças para responder violentamente a conflitos que poderiam ser tratados com civilidade.
"A TV banaliza o mal; se deseduca o adulto, imagine a criança", questiona ela.
A pedagoga e terapeuta familiar Lena Bartman, que há 25 anos trabalha com crianças, vê outro problema. "Exposta a um bombardeio de notícias violentas que ainda não tem maturidade para entender, a criança passa a ter uma visão catastrófica do mundo", diz.
O juiz Siro Darlan, titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, está convicto da influência maléfica do festival vespertino de violência. "Já ouvi depoimentos de crianças que furtaram porque viram na TV e acharam fácil", afirma.
Segundo ele, outros países já estão se prevenindo: "Isso é tão grave que a comunidade européia, que é a sede da liberdade de expressão, proíbe cenas dessa natureza. Todos têm consciência dos males que essa veiculação causa às crianças e mesmo aos idosos".
Outro Lado "Meu programa não é policial, ele discute questões sociais e cidadania", diz Marcelo Rezende, apresentador do "Repórter Cidadão" (Rede TV!, 16h30), explicando que, semanas atrás, apareceu manuseando armas de grosso calibre para denunciar a inferioridade do armamento policial.
Segundo Rezende, a "abordagem social" de seu programa aumentou a audiência e atraiu um público em que 83% são maiores de 18 anos.
Na Bandeirantes, Roberto Cabrini, à frente do "Brasil Urgente" (18h), diz que é imoral mostrar só violência. "Mas, se for de forma crítica, cobrando das autoridades e apontando soluções, então é um serviço à sociedade", afirma.
Para José Luis Datena, do "Cidade Alerta" (Record, 17h45), a violência está nas ruas, e a culpa é do governo. "A TV está ali pra ser ligada; quem quiser, assiste, quem não quiser, mude de canal", diz.
Mas o deputado federal Orlando Fantazzini (PT-SP), que lidera uma campanha contra a baixaria na TV, afirma que o problema está justamente nessa visão.
"Esses programas estimulam a sociedade a ser mais violenta e a exigir mais violência estatal. Não quero ser censurado no meu direito de ter canais que ofereçam programação educativa e que favoreçam a paz. As emissoras ditam o que devo assistir: se mudo de canal, a programação é a mesma. Espero que o novo governo estabeleça um código de ética na TV", afirma.
Procurados pelo TV Folha durante a última semana, Márcia Goldshimidt e João Kléber não retornaram as ligações.
Especialistas condenam a banalização da violência na TV
FERNANDA DANNEMANNda Folha de S.Paulo
Já vai longe o tempo em que a tarde na TV era dedicada às crianças. Capitão Aza, a turma da Vila Sésamo, do Sítio do Picapau Amarelo, Shazan e Xerife, Capitão Furacão, Xuxa, Angélica e outros ícones dos anos 60, 70 e 80 deram lugar a cenas de linchamento, tentativas de suicídio, reconstituições de crimes bárbaros e tiroteios de verdade.
Apesar dos programas de Eliana (Record, 14h) e da tarde da TV Cultura, totalmente composta por atrações infantis, muitos meninos e meninas preferem as atrações mais pesadas.
Cerca de 16% do público de Márcia Goldshimidt ("Hora da Verdade", 16h30), por exemplo, é composto por pessoas que têm entre quatro e 17 anos. O "Cidade Alerta" (Record, 17h45) foi visto em novembro por cerca de mais de 110 mil telespectadores nessa faixa etária, segundo o Ibope.
Para o ex-vice-presidente de Operações e atual consultor da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, a globalização encolheu as verbas publicitárias para programas infantis. "Mas isso não justifica a exploração da violência, do sexo e das fofocas. É evidente que a cobertura de polícia, serviços, direitos e defesa do consumidor são temas populares e importantes, mas não podem ser tratados de forma apelativa", diz Boni.
O novelista Walter Negrão, criador de "Shazan e Xerife", um dos maiores sucessos juvenis da década de 70, critica a violência como cultura. "Nenhuma violência dramatúrgica se compara aos programas de vampiros e urubus, feitos em cima da desgraça alheia", diz ele.
Para o psiquiatra Marcio Bernik, coordenador do ambulatório de ansiedade da faculdade de medicina da USP, a audiência desses programas torna-se cativa por causa de um processo químico.
"Para quem gosta de adrenalina, o efeito prazeroso dessas informações provoca vício. Com isso, a TV aumenta o teor para que a pessoa não consiga desgrudar os olhos da tela. É como a dependência do cigarro, com igual liberação de dopamina nas mesmas estruturas cerebrais", afirma.
Reação
No Colégio Equipe, na zona sul de São Paulo, alunos do ensino médio se uniram a organizações não-governamentais e associações de moradores de áreas como Capão Redondo e Jardim Ângela, para lançar um manifesto que propõe um Centro de Defesa do Telespectador.
A psicanalista e escritora Maria Rita Kehl, que integra a ONG TVer, afirma que a exposição de violência na TV prepara as crianças para responder violentamente a conflitos que poderiam ser tratados com civilidade.
"A TV banaliza o mal; se deseduca o adulto, imagine a criança", questiona ela.
A pedagoga e terapeuta familiar Lena Bartman, que há 25 anos trabalha com crianças, vê outro problema. "Exposta a um bombardeio de notícias violentas que ainda não tem maturidade para entender, a criança passa a ter uma visão catastrófica do mundo", diz.
O juiz Siro Darlan, titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, está convicto da influência maléfica do festival vespertino de violência. "Já ouvi depoimentos de crianças que furtaram porque viram na TV e acharam fácil", afirma.
Segundo ele, outros países já estão se prevenindo: "Isso é tão grave que a comunidade européia, que é a sede da liberdade de expressão, proíbe cenas dessa natureza. Todos têm consciência dos males que essa veiculação causa às crianças e mesmo aos idosos".
Outro Lado "Meu programa não é policial, ele discute questões sociais e cidadania", diz Marcelo Rezende, apresentador do "Repórter Cidadão" (Rede TV!, 16h30), explicando que, semanas atrás, apareceu manuseando armas de grosso calibre para denunciar a inferioridade do armamento policial.
Segundo Rezende, a "abordagem social" de seu programa aumentou a audiência e atraiu um público em que 83% são maiores de 18 anos.
Na Bandeirantes, Roberto Cabrini, à frente do "Brasil Urgente" (18h), diz que é imoral mostrar só violência. "Mas, se for de forma crítica, cobrando das autoridades e apontando soluções, então é um serviço à sociedade", afirma.
Para José Luis Datena, do "Cidade Alerta" (Record, 17h45), a violência está nas ruas, e a culpa é do governo. "A TV está ali pra ser ligada; quem quiser, assiste, quem não quiser, mude de canal", diz.
Mas o deputado federal Orlando Fantazzini (PT-SP), que lidera uma campanha contra a baixaria na TV, afirma que o problema está justamente nessa visão.
"Esses programas estimulam a sociedade a ser mais violenta e a exigir mais violência estatal. Não quero ser censurado no meu direito de ter canais que ofereçam programação educativa e que favoreçam a paz. As emissoras ditam o que devo assistir: se mudo de canal, a programação é a mesma. Espero que o novo governo estabeleça um código de ética na TV", afirma.
Procurados pelo TV Folha durante a última semana, Márcia Goldshimidt e João Kléber não retornaram as ligações.
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