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23/12/2002 - 03h02

MAM SP inaugura em janeiro exposição "2080"

ALEXANDRA MORAES
da Folha de S.Paulo

Tendo emergido nos anos 80, ainda como parte do grupo Casa 7, o artista plástico paulistano Rodrigo Andrade, 40, é um dos nomes mais bem representados na exposição "2080", que o MAM de São Paulo inaugura em 23 de janeiro próximo e que enviesa pela produção plástica brasileira durante a "década perdida" _e o adjetivo não se enquadra às artes plásticas.

Redescobrindo processos políticos e sobretudo processos artísticos, os jovens artistas de 20 anos atrás deram novo fôlego à pintura ao mesmo tempo em que, paradoxalmente (ou melhor, democraticamente), conferiam ao que outrora fora experimentalismo um estatuto oficial, estabelecido.

Ao lado de seus colegas Nuno Ramos, Carlito Carvalhosa, Paulo Monteiro e Fábio Miguez, Andrade ajudou a dar sustentação à reafirmação da pintura no grupo Casa 7, nome dado pela crítica de arte Aracy Amaral à exposição dos cinco que ocupou o MAC-USP e o MAM-RJ e que acabou sendo adotado como apodo do grupo.

Juntar o minimalista norte-americano Donald Judd a seu compatriota expressionista abstrato Philip Guston soa algo improvável, mas acaba por traduzir a fluência estética da obra de Andrade, e é ele mesmo quem diagnostica o amálgama.

O artista sempre gostou de quadrinhos e de arte "como se gosta de música" e, fato curioso, é o autor de "Garota de Berlim", música composta em 82, quando ele e o colega de Casa 7 Paulo Monteiro tinham uma banda com Supla.

O particular na carreira de Rodrigo Andrade é que, de Guston a Judd ou de Cézanne a Pollock, em referências díspares, o suporte continuou o mesmo, assim como seu fascínio pela tinta em si. "Se a pintura conseguir manter a vivacidade da tinta, vai dar certo."

Leia a seguir trechos da entrevista com o artista plástico.

Folha -A Casa 7 foi fruto da própria efervescência da retomada da pintura ou era já algo contestador, avesso aos experimentalismos?

Rodrigo Andrade - O grupo tomou essa dimensão contestadora no caminho. Nós, da Casa 7, tínhamos uma formação que era ligada a suportes tradicionais e nos víamos diante da hegemonia das vanguardas dos anos 70, do experimentalismo. O que deu o tom de contestação foi o momento mesmo do neoexpressionismo, da transvanguarda. Aquela pintura deu conta de vários problemas.

Folha - Como?

Andrade - Primeiro, aquela pintura serviu para me libertar de uma formação extremamente intimista, que vinha da gravura em metal. E não bastava não ser experimentalista, tinha de afirmar uma certa predileção pela pintura com uma outra força. A autoconfiança para que isso pudesse ser feito foi adquirida diante da transvanguarda, do neoexpressionismo e principalmente através do Philip Guston, que foi um "pintor-chave".

Em segundo lugar, a convicção de que uma pintura expansiva, forte, afirmativa poderia dar conta da complexidade da arte que se apresentava então era capaz de responder à altura essa expectativa de intensidade que a arte contemporânea já tinha, e também nos permitia conciliar lados diferentes da nossa formação.

Folha - E em que momento vocês descobrem Guston?

Rodrigo Andrade -Eu gostava muito de quadrinhos e de pintura. Como se gosta de música, gostava de pintura. O Philip Guston nos permitiu conciliar Robert Crumb com Morandi. Quem percebeu o Guston primeiro foi o Paulo Monteiro. Eu estava em Paris e houve uma exposição do Guston aqui em São Paulo e ele mandou uma carta com um monte de recortes de jornal, dizendo: "Olha, esse cara é demais!". Eu estava vendo tanta coisa, mas não estava vendo Guston. Quando voltei, fomos ao MAM ver uns livros e eu chapei com aquilo, daí começamos a ler textos sobre ele.

Folha - Tinham consciência de que estavam formando um grupo?

Andrade - Tínhamos. A gente discutia muito, havia uma intensidade muito grande entre nós.

Folha - Não havia um isolamento dos outros artistas?
Andrade - Tinha... A gente era relativamente isolado. Tanto é que, quando houve a exposição da "Geração 80" ["Como Vai Você, Geração 80?", realizada em 84 no parque Lage, no Rio], a gente não sabia que estava ocorrendo, daí não entramos. Todo mundo estava lá, menos nós.

Além disso, a "Geração 80" aconteceu no mesmo momento da "Painéis", em que estávamos eu, Paulo Monteiro e Nuno Ramos, no Paço das Artes, onde mostramos os painéis de esmalte sintético sobre papel craft pela primeira vez. E éramos mesmo um pouco diferentes do resto da geração. Fazíamos uma pintura um pouco diferente, com um apego à tradição da pintura que os outros não tinham.

Folha - Isso pode ter causado algum estranhamento?

Andrade - Não. Quando nos perceberam, não. Logo viram que era uma coisa legal, que era algo expansivo e uma afirmação de vitalidade da pintura. A gente tinha consciência também da nossa ambição, de fazer um negócio com arte. Tínhamos uma grande autoconfiança.

Folha - Alimentada também pelo fato de vocês terem sido uma das "sensações" da Bienal de 85...

Andrade - Sim, por ser um grupo e por ser jovem. A gente saía muito no jornal, mas não vendia muito trabalho. Era muito algo com mídia, de explorar a imagem, cinco moleques que se vestiam meio "punkudos". Teve um momento em que éramos superpaparicados, mas logo depois da Bienal era só implicância...

Folha - Por quê?

Andrade - Por ser molecada, ter essa coisa muito afirmativa com qualidade de pintura. Aí, sim, isso começou a pesar, essa nossa opção por uma insistência na qualidade da pintura e uma diferenciação do resto da geração que eu acho que surgiu também. Num dado momento isso ficou um pouco claro. Tínhamos vontade de ser mais críticos.

E havia uma sensação de futilidade do mundo da arte. O próprio sucesso que fazíamos, achava aquilo idiota. As reportagens ficavam falando de coisas de rock... achava tudo fútil. Isso realçava a vontade de fazer uma pintura pesada, desagradável, que tivesse algo de "antialegria". Falavam: "Ah, alegria de pintar...". E a gente: "Que alegria, a gente quer expressar a angústia em pintar". Daí vinha também aquela fantasia juvenil que ajudava a manter esse elã.

Folha - De 85 até aqui, sua obra sofreu diversas guinadas, sem nunca mudar o suporte.

Andrade - É, a curiosidade em resolver o problema espacial de um quadro para mim é inesgotável. A mudança começou a ocorrer logo depois da Bienal de 85. Fui o primeiro a expor depois da Casa 7, em 86, e já mostrei uma pintura completamente mudada, meio geométrica, com colagem, arte povera, o [Richard] Serra, outros artistas que entraram no meu rol de interesse. Existe uma variação entre algo mais figurativo e mais gestual e algo mais abstrato e que tende a uma simplificação. Há esse movimento na minha obra, sempre houve.

Folha - E como surgiram os quadrados atuais?

Andrade - Eles nascem dos blocos no espaço [da pintura de 93 a 98]. Foi não só mudança, mas depuração também. O que talvez aconteça nesses quadradinhos é que, pela primeira vez, me senti livre de querer dizer algo com a pintura. Gosto de pensar que essa pintura é uma mistura de Judd com Guston, algo improvável.


 

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