Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
10/08/2000 - 03h51

Teatro: La Candelaria propõe autocrítica sobre narcotráfico

Publicidade

VALMIR SANTOS, da Folha de S.Paulo

Um grupo de teatro não pode dissociar sua história daquela vivida por seu país. Sobretudo quando se está na Colômbia, que vive numa guerra civil há 40 anos.

Essa é a perspectiva do Teatro La Candelaria, com sede no bairro de mesmo nome localizado na região central de Bogotá. Em seus 34 anos, cerca de 60 montagens, o grupo invariavelmente reconta no palco a história contemporânea do país que faz divisa com o Brasil, ao norte.

É o caso de "El Paso - Parábola del Camino", espetáculo que estréia hoje na programação do 5º Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte.

Criação coletiva inspirada em um dos contos que Bertolt Brecht reuniu em "Histórias do Sr. K", passa-se numa dessas tabernas de beira de estrada, frequentada por pessoas comuns (músico, taxista, prostituta, garçom etc.) que estabelecem vínculos por meio de problemas também comuns, como a falta de dinheiro.

Até a chegada de dois narcotraficantes, que mobiliza o interesse de todos. A bodega converte-se em tabuleiro de disputa social, política e econômica.

Segundo o diretor e dramaturgo Santiago García, 71, um dos fundadores do La Candelaria, "El Paso" aponta para o conflito civil das últimas quatro décadas em seu país, protagonizado sobretudo pelas guerrilhas marxistas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e ELN (Exército da Libertação Nacional).

A montagem propõe uma autocrítica sobre a realidade. "Brecht foi profético ao constatar a condescendência de parte do povo alemão com o nacionalismo de Hitler, que depois desembocou no nazismo", afirma.

"Nossa peça fala como os narcotraficantes, num primeiro momento, também são tolerados na taberna e só depois os frequentadores percebem com quem estão lidando, mas já é tarde", diz.

Para o diretor, o "carma do narcotráfico, combinado com o neoliberalismo", é um mal que extrapola as fronteiras da Colômbia e produz efeitos na Bolívia, no Peru e no Brasil, para citar três exemplos. Segundo dados da Fundação Seade, em algumas regiões de São Paulo a taxa de criminalidade supera a de bairros colombianos dizimados pelas guerrilhas.

"El Paso" estreou há 12 anos. No início, nem todos os espectadores conseguiam assimilar a parábola que se constrói em cena. Hoje, porém, a correspondência é flagrante, corroborada pelo noticiário.

Na trajetória do La Candelaria, o espetáculo marca uma transição de temas do campo para uma abordagem mais urbana, a partir do final dos anos 80.

"Cem Anos de Solidão"

García faz um paralelo com o célebre conterrâneo Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura (82), que inicialmente privilegiou mitos e lendas (leia-se realismo fantástico) em seus livros, como "Cem Anos de Solidão", e anos depois destacou o espaço da cidade em obras como "Ninguém Escreve ao Coronel".

Nos anos 60, o La Candelaria chegou a montar "Morte e Vida Severina", o poema cênico de João Cabral de Melo Neto, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) costuma encenar nos assentamentos.

O Teatro La Candelaria também investe em dramaturgia própria -coletiva ou de autoria de um dos seus integrantes. O núcleo é formado por 14 atores, que trabalham oito horas diárias em sua sede em Bogotá, com 200 lugares.

Santiago García prefere a língua do gesto à do verbo. "As cenas acontecem muito em função da linguagem não-verbal, com poucos elementos de cenografia."

As paredes da taberna em "El Paso", por exemplo, têm mapas borrados pela chuva, "como um país que se dilui pelo bolor". O atores tocam instrumentos percussivos que pontuam as cenas.

Apesar da perspectiva política do La Candelaria, García não abre mão da estética teatral. No início da carreira, ele estagiou no Berliner Ensemble, em Berlim, templo brechtiano por excelência.

García e o grupo já estiveram no Brasil em outras ocasiões. Participaram do Festival Internacional de Londrina no início da década.

De volta ao FIT-BH, onde se apresentou em 99, além de encenar "El Paso", o diretor comanda uma oficina de dramaturgia.

"A competência na arte é importante desde os gregos. Ela é mais propícia ao teatro criativo e investigativo do que ao teatro comercial", diz o diretor.

Evento: 5º Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte
Peça: El Paso - Parábola del Camino
Texto: criação coletiva inspirada em "Histórias do Sr. K", de Bertolt Brecht
Direção: Santiago García
Com: Teatro La Candelaria (Colômbia)
Quando: hoje, às 20h; amanhã, às 21h; sáb., às 15h e às 21h; e dom., às 17h
Onde: teatro Klauss Vianna (av. Afonso Pena, 4.001, tel. 0/xx/31/229-4316)
Quanto: R$ 10

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página