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16/02/2003 - 09h30

Crítico francês Michel Marie lança livro no Brasil e fala de cinema

FERNÃO RAMOS
especial para a Folha de S. Paulo

Michel Marie é professor da Universidade Sorbonne (Paris 3) e uma das principais figuras no campo internacional da reflexão em história e teoria do cinema. Entre outros livros, publicou "Esthétique du Film" (Nathan) e "L'Analyse des Films" (Nathan; com tradução para o português pela editora Papirus).

Ele estará no Brasil a partir desta semana para lançar, também pela Papirus, o "Dicionário Teórico e Crítico de Cinema" e para ministrar uma série de palestras na Universidade Estadual de Campinas, em que irá tratar da nouvelle vague e do cinema francês atual. Mais informações podem ser obtidas pelo tel. 0/xx/19/3788-7196.

A vinda de Michel Marie ao Brasil está sendo promovida pelo Instituto de Artes da Unicamp, com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Folha - Você poderia nos dizer duas ou três palavras sobre a situação do cinema francês contemporâneo?

Michel Marie -
Eu chamaria a atenção para sua forte renovação. Nos últimos tempos temos mais de 50 "primeiros filmes" por ano. Em 1998, tivemos 58 diretores realizando seu primeiro longa-metragem; em 1999, foram 62; em 2000, 53 diretores.

Isso significa que quase metade dos longas-metragens produzidos na França são realizados por cineastas estreantes.

Entre esses jovens, eu citaria Bruno Dumont ("A Vida de Jesus", 1997; "A Humanidade", 1999), Laurent Cantet ("Recursos Humanos", 2000; "A Agenda", 2001); Philippe Grandrieux ("Sombra", 1999) e Catherine Breillat ("Parfait Amour", 1996; "Romance", 1998). Esta última representa bem o talento das jovens diretoras mulheres, cada vez mais numerosas.

Folha - Como se produz cinema hoje na França? Qual a participação do Estado?

Marie -
Os filmes são produzidos por cadeias de televisão (em particular o "Canal Plus") e através de um sistema seletivo de "adiantamento sobre a arrecadação". Os canais de televisão são obrigados a co-produzir filmes que serão lançados em salas. A lei de 1947 (atualizada em 1960, 1985 etc.) permite à produção francesa sobreviver graças a um sistema de desconto fiscal que incide sobre a receita das salas exibidoras e filmes distribuídos, inclusive americanos.

Folha - Como você vê a produção contemporânea dos grandes nomes da nouvelle vague, Godard, Rohmer, Rivette?

Marie -
Apesar da idade, eles mantêm um forte ritmo de trabalho, com propostas ousadas e fecundas. Eu destacaria Rohmer, que realizou recentemente um de seus filmes mais audaciosos, "L'Anglaise et le Duc" ["A Inglesa e o Duque", 2001], depois de ter feito "Conte d'Automne" ["Conto de Outono] (1998), último filme da série "Contos das Quatro Estações"". Godard assina ensaios cada vez mais pessoais e cada vez menos voltados para o grande público ("Hélas pour Moi" ["Infelizmente para Mim]"; "Forever Mozart" ["Para Sempre Mozart]"; "Éloge de l'Amour" ["Elogio do Amor", 2001]. Sua grande obra contemporânea continua sendo, sem dúvida, os oito episódios de "Histoire(s) du Cinéma". Jacques Rivette, em seu trabalho recente, explora um mesmo veio temático, centrado nas relações entre cinema e teatro, como em "Secret Défense" ["Defesa Secreta", 1998] et "Va Savoir" ["Quem Sabe", 2001].

Folha - Como você vê a produção cinematográfica contemporânea internacional? O que destacar?

Marie -
Certamente os centros de criação se deslocaram em direção ao Leste e ao Extremo Oriente. São os novos filmes iranianos ("Ten", de Abbas Kiarostami, 2002), chineses ("Plaisirs Inconnus", de Jia Zhangke, para pegar um exemplo bem recente), japoneses (Takeshi Kitano) ou coreanos, que apresentam um horizonte criativo estimulante. A destacar também "Japon", de Carlos Reygadas, ou o finlandês Aki Kaurismaki, com "L'Homme sans Passé" ["O Homem sem Passado"].

Folha - No campo dos estudos de cinema, podemos falar de uma "nova historiografia", que emerge a partir do final dos anos 80?

Marie -
Certamente. Depois dos anos 80, há uma nova história do cinema, marcada pela redescoberta de filmes pouco conhecidos. A colaboração estreita entre historiadores, cinematecas e arquivos de cinema abre novos horizontes para o trabalho com fontes primárias, até então desconhecidas.

Essa "nova história" se afasta da história celebrativa e da história que gira em torno de obras-primas obrigatórias. Os festivais de cinematecas, como os de Pordenone e de Bolonha, na Itália, desempenharam um papel de primeiro plano na constituição dessa "nova história". Essa história quer levar em consideração o público, a imprensa e o conjunto do contexto social que se estabelece em torno do filme e de sua produção.

Folha - O que é analisar um filme? Há uma metodologia a seguir?

Marie -
Não existe um método, mas métodos diversos, de acordo com os objetivos que nos propomos. De um modo geral, é importante levarmos em conta a obra cinematográfica em todos seus detalhes, trabalhando sua forma: a organização das sequências, o tipo de montagem, o trabalho sobre o espaço e o som, a interpretação dos atores etc.

É indispensável também que coloquemos em relação o filme particular com o contexto no qual se insere (a história do cinema, os gêneros, outros filmes do mesmo realizador, a estilística fílmica em seus diferentes períodos).

Folha - Podemos falar em uma diferença entre crítica de filme e análise fílmica?

Marie -
A crítica de filme é em geral feita na imprensa diária, semanal ou mensal, incidindo sobre filmes que estão sendo lançados. A análise fílmica não sofre essa restrição, não incide sobre a lógica do mercado e da realização do valor do filme em seu lançamento.

A crítica deve fornecer ao espectador um julgamento, que o incite a escolher, ou não, o filme para ver. Ela deve ser bastante sintética. Em princípio, a análise não propõe julgamentos de valor. Ela decompõe os elementos de significação, enriquecendo a "leitura" do filme, ao fazer aparecer significados pouco evidentes.

Fernão Ramos é autor de "Cinema Marginal - A Representação em Seu Limite" (Brasiliense), entre outros.
 

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