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24/02/2003
-
10h49
Crítico da Folha
Junta um bocado de bamba e a nada condoreira espuma flutuante da cerveja... e a linguagem não é mais a do cinema, muito menos a da TV. Vinga a estética do botequim, independentemente do enquadramento do samba. Não tem mistério. Não há produção ou direção de arte que governem, por mais que tentem folclorizar, a fuleiragem da alma, não é, mestre Fulêiro?, personagem que veremos mais adiante.
"Sambatown - A Cidade do Samba", documentário sobre o Rio e o seu gênero-mor, é rodado em 16 mm e vídeo digital, tem direção de Jodele Larcher e bota para quebrar na reunião de gente do ramo. É informação até dizer basta. Para um brasileiro de outra formação ou geografia de ritmo, já é uma enciclopédia; para um gringo, é o tesouro da juventude.
O documentário está em fase de finalização. Tem a sorte de contar com a narrativa de Nei Lopes, o bamba que sabe demais. "Sambatown" salta de estação em estação de trem para alcançar as escolas e os compositores espalhados pelo Rio. Sergio Cabral, jornalista e pesquisador desse mundo, levanta voz: "O samba é carioca".
Lopes, mais sábio, mostra que o couro do gato é mais curtido. E recita as vozes d'África sem medo. Dá-lhe congo, maxixe e tantas umbigadas. Deita sabedoria o rapaz do fiat lux do ziriguidum. Nesse ponto, samba e Luiz Gonzaga se colam: "Quando tu balança, dá um nó na minha pança", prega o rei do baião.
Mas, no Nordeste, se diz mesmo assim: "Ramo (sic) pro samba". Mesmo que seja o que se convencionou chamar forró, "for all". "Passou a noite no samba, desgraçado!", gritam as mulheres com seus cabras safados, independentemente do gênero em voga ou questão. Dance o que dançar, a nomenclatura é samba.
O ministro Gilberto Gil depõe no documentário a favor dessa dialética do esclarecimento. Meio desanimado, é verdade, fora do plano das espumas flutuantes e cachaças outras. Quem tem carreira a zelar, imagem etc. dificilmente fica à vontade na deliciosa confusão do mundo. Pena.
O diletantismo samba clube está na voz de Fulêiro, mestre-personagem da fita. Mas quem tira onda é Aloísio Machado, 55 de samba, sabe-se lá quantos de vida. Conta aquela história de sexo com madame. Um "Casa Grande & Senzala" da fuleiragem. "Pela entrada de serviço/ eu uso o artifício..." Penetra no ambiente luxuoso. Vai levar calor, diz, à burguesa que tem tudo e nada tem.
"Vem logo, vem curar teu nego/ que chegou de porre/ lá da boemia." Martinho da Vila dá o prefixo. Tenta decifrar o mistério. O samba é do botequim. Diz que nem compõe tanto no tal ambiente, como os das antigas, mas reconhece. Haroldo Costa, jornalista e produtor de rádio e TV, homem do Salgueiro, é outro narrador de responsabilidade. Os personagens não são apenas os mais conhecidos. Tem uma pá de tias Suricas e Xangôs da Mangueira.
Seu Jorge, que tá podendo, faz o consenso do morro e do asfalto. Nelson Sargento, dor, cachaça e argumento, aprova, no soslaio de compromisso. A cantora Teresa Cristina, portelense, saúda Paulinho da Viola, coisa linda.
Cabe ao moço Jorge a reunião dos bambas. Como é do ramo, cozinha o galo direitinho. É o homem-transição entre as antigas e os novos poleiros do balacobaco, ziriguidum, samba esporte fino. "Para entender o samba, você não precisa sair de onde tá", diz Seu Jorge. A menos que você seja Gilberto Freyre, o pernambucano, que saiu, meados dos anos 20 do século passado, para tomar a bênção a Pixinguinha ou entendê-lo.
É tudo "mutirão do amor", como bem sabe Jorge Aragão e sua prosopopéia de fundo de quintal. "Its true." Verdade, como diz a legenda do "Sambatown", para gringo ver, quando entra em campo a voz de garganta de cerveja mui gelada de Zeca Pagodinho. Não tem mistério.
Documentário sobre samba vinga o botequim
XICO SÁCrítico da Folha
Junta um bocado de bamba e a nada condoreira espuma flutuante da cerveja... e a linguagem não é mais a do cinema, muito menos a da TV. Vinga a estética do botequim, independentemente do enquadramento do samba. Não tem mistério. Não há produção ou direção de arte que governem, por mais que tentem folclorizar, a fuleiragem da alma, não é, mestre Fulêiro?, personagem que veremos mais adiante.
"Sambatown - A Cidade do Samba", documentário sobre o Rio e o seu gênero-mor, é rodado em 16 mm e vídeo digital, tem direção de Jodele Larcher e bota para quebrar na reunião de gente do ramo. É informação até dizer basta. Para um brasileiro de outra formação ou geografia de ritmo, já é uma enciclopédia; para um gringo, é o tesouro da juventude.
O documentário está em fase de finalização. Tem a sorte de contar com a narrativa de Nei Lopes, o bamba que sabe demais. "Sambatown" salta de estação em estação de trem para alcançar as escolas e os compositores espalhados pelo Rio. Sergio Cabral, jornalista e pesquisador desse mundo, levanta voz: "O samba é carioca".
Lopes, mais sábio, mostra que o couro do gato é mais curtido. E recita as vozes d'África sem medo. Dá-lhe congo, maxixe e tantas umbigadas. Deita sabedoria o rapaz do fiat lux do ziriguidum. Nesse ponto, samba e Luiz Gonzaga se colam: "Quando tu balança, dá um nó na minha pança", prega o rei do baião.
Mas, no Nordeste, se diz mesmo assim: "Ramo (sic) pro samba". Mesmo que seja o que se convencionou chamar forró, "for all". "Passou a noite no samba, desgraçado!", gritam as mulheres com seus cabras safados, independentemente do gênero em voga ou questão. Dance o que dançar, a nomenclatura é samba.
O ministro Gilberto Gil depõe no documentário a favor dessa dialética do esclarecimento. Meio desanimado, é verdade, fora do plano das espumas flutuantes e cachaças outras. Quem tem carreira a zelar, imagem etc. dificilmente fica à vontade na deliciosa confusão do mundo. Pena.
O diletantismo samba clube está na voz de Fulêiro, mestre-personagem da fita. Mas quem tira onda é Aloísio Machado, 55 de samba, sabe-se lá quantos de vida. Conta aquela história de sexo com madame. Um "Casa Grande & Senzala" da fuleiragem. "Pela entrada de serviço/ eu uso o artifício..." Penetra no ambiente luxuoso. Vai levar calor, diz, à burguesa que tem tudo e nada tem.
"Vem logo, vem curar teu nego/ que chegou de porre/ lá da boemia." Martinho da Vila dá o prefixo. Tenta decifrar o mistério. O samba é do botequim. Diz que nem compõe tanto no tal ambiente, como os das antigas, mas reconhece. Haroldo Costa, jornalista e produtor de rádio e TV, homem do Salgueiro, é outro narrador de responsabilidade. Os personagens não são apenas os mais conhecidos. Tem uma pá de tias Suricas e Xangôs da Mangueira.
Seu Jorge, que tá podendo, faz o consenso do morro e do asfalto. Nelson Sargento, dor, cachaça e argumento, aprova, no soslaio de compromisso. A cantora Teresa Cristina, portelense, saúda Paulinho da Viola, coisa linda.
Cabe ao moço Jorge a reunião dos bambas. Como é do ramo, cozinha o galo direitinho. É o homem-transição entre as antigas e os novos poleiros do balacobaco, ziriguidum, samba esporte fino. "Para entender o samba, você não precisa sair de onde tá", diz Seu Jorge. A menos que você seja Gilberto Freyre, o pernambucano, que saiu, meados dos anos 20 do século passado, para tomar a bênção a Pixinguinha ou entendê-lo.
É tudo "mutirão do amor", como bem sabe Jorge Aragão e sua prosopopéia de fundo de quintal. "Its true." Verdade, como diz a legenda do "Sambatown", para gringo ver, quando entra em campo a voz de garganta de cerveja mui gelada de Zeca Pagodinho. Não tem mistério.
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