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11/03/2003 - 08h01

Hermeto Pascoal não quer mais gravar com figurões da MPB

CARLOS CALADO
especial para a Folha de S.Paulo

De tempos em tempos, ele reaparece para lembrar que música pode ser muito mais que redundância sonora ou pretexto para atitudes moderninhas. Há 11 anos sem entrar em estúdio com seu grupo, o multiinstrumentista Hermeto Pascoal, 66, lança o CD "Mundo Verde Esperança" (selo Rádio MEC), com 14 composições próprias inéditas em disco.

"Convites eu sempre tive, mas não quero mais gravar por gravadoras grandes", diz o músico alagoano à Folha. "Elas não evoluíram nada. Querem gravar comigo só para dizer que têm Hermeto Pascoal no catálogo. Me tratam como aquela jóia exposta na vitrine para deixar as pessoas com água na boca, mas que ninguém consegue comprar."

Como já fez em trabalhos anteriores, Hermeto dedica as composições do CD, muitas delas escritas há mais de cinco anos. A jazzística "Victor Assis Brasil" homenageia o saudoso saxofonista carioca. As 13 restantes foram batizadas com nomes dos netos do compositor.

"Não escrevi essas músicas pensando neles, mas na hora de fechar o disco tive a idéia de homenageá-los. Tem até uma guarânia que já tinha dedicado ao Nivaldo Ornelas, mas na correria esqueci de avisar ao povo da gráfica que explicasse isso no encarte", corrige, referindo-se à faixa "Camila".

Diferentemente do álbum solo "Eu e Eles" (1999), no qual Hermeto tocou todos os instrumentos, "Mundo Verde Esperança" abre espaço para discípulos do mestre alagoano. Além do quinteto que o acompanha desde a década passada, Hermeto conta também com os jovens integrantes da Itiberê Orquestra Família, comandada por Itiberê Zwarg, antigo parceiro e baixista.

"A idéia de usar esse pessoal não foi para ajudar ninguém, mas sim pela qualidade do trabalho deles. Na música que eu faço não há espaço para esse tipo de favor", ressalta Hermeto, satisfeito com a participação do naipe de cordas da Orquestra Família, à qual também pertencem as vocalistas Joana Queiroz, Beth Dau e Mariana Bernardes, presentes em várias faixas do CD.

Jovem também é a nova namorada de Hermeto, a pianista e violonista gaúcha Aline Morena, que não participou das gravações, mas tem tocado nos shows de lançamento do CD. "Na idade ela tem 23 anos, mas no espírito está junto comigo. O que conta é o amor e a música", derrete-se o compositor.

Comparando "Mundo Verde Esperança" com "Festa dos Deuses" (1992), o último álbum que gravou com sua banda, Hermeto admite que tem dispensado cada vez mais a improvisação em favor dos arranjos. "Antigamente, eu improvisava mais porque ainda não tinha muitas músicas e supria isso com os improvisos", justifica.

"As pessoas pensam que evoluir é fazer uma harmonia cada vez mais pesada. Para mim, evolução é saber mexer com misturas. O mais difícil nessa música que eu chamo de universal é justamente saber misturar", afirma o compositor, conhecido por suas insólitas combinações de instrumentos musicais, muitos deles não-convencionais, como serrote, panelas e tamancos.

Alegria interior

Se no passado deixou sua marca em inovadores arranjos escritos para discos de figurões da MPB, hoje Hermeto se mostra menos animado com essas parcerias.

"Essa turma não evoluiu nada. Minha intenção ao trabalhar com eles foi abrir a cabeça deles, mas eles apelaram: foram fazer música para novela. Como o meu amigo Fagner, que criticava a TV Globo e acabou cedendo. Ganhou muito dinheiro, mas cadê a alegria interior?", questiona Hermeto.

E o que o mestre acha de outros novos grupos influenciados por sua música, como Curupira, Armazém e Mandu Sarará? "Sinto uma alegria imensa quando ouço essa turma nova. Por incrível que pareça, isso acontece mais ainda lá fora, nos EUA e na Europa. Graças a Deus a 'escola Jabour' está se espalhando", diz, referindo-se ao bairro em que morou durante décadas, no Rio de Janeiro.

Mas Hermeto admite que nem sempre se depara com surpresas agradáveis. "Às vezes também recebo uns CDs que não têm nada a ver com a minha música. Eles põem aqueles sons eletrônicos e uns efeitos antigos, como se fossem inspirados em mim. Aí fico pensando: 'Será que eu sou tão louco assim?'", diverte-se.

Carlos Calado é autor de "Tropicália - A História de uma Revolução Musical", entre outros livros
 

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