Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
08/04/2003 - 03h36

Gerald Thomas: Sombras e outros tons de cinza no "ponto zero"

GERALD THOMAS
especial para a Folha

Começou em Londres. O fotógrafo Rankin me disse que iria estar em Nova York para fotografar tudo e que eu não me preocupasse. Como é agitado e um pouco "dazed and confused" (como a revista que edita e que leva o nome da música do Led Zeppelin), fingi que não entendi. Corta.

Dois dias depois, ou seja, há dois domingos, em Paris, Peter Brook me perguntava: "você vai estar lá?" "Lá onde?", eu respondia com certa perplexidade fingida. O rabino Henry Sobel sabe muito bem que quando dois judeus se olham nos olhos durante muito tempo, ou choram copiosamente ou caem na gargalhada. Brook e eu caímos na gargalhada. "Avise para Kate que eu não conseguirei estar lá de jeito nenhum", foi seu recado final. Corte.

Rio de Janeiro na semana passada. Estou almoçando com Cacá Diegues e checando os números estrondosos de bilheteria de "Deus É Brasileiro" e, de repente, Cacá me diz que quer dirigir teatro. Mas não é só isso.

Vindo recentemente daqui de Nova York, ele me vem com a seguinte frase: "A minha esperança é que os hippies voltem a existir". Fiquei com a pulga atrás da orelha. Será que o Cacá também sabia? Corte.

Assim que desembarquei aqui, fui checar a caixa postal e havia um recado do produtor do Richard Foreman. "Sr. Thomas, por favor esteja no teatro da St. Marks Church às cinco da tarde de sábado para que vocês possam combinar as últimas coordenadas."

Agora explico. Um happening acontece assim. Ninguém pode saber. Ou melhor, poucas pessoas devem saber. O próprio título mudou várias vezes numa semana, passando de "15 X Fear" até "Fire Exit" e, finalmente, terminando como "Power Peace Exit".

O evento era para ter acontecido no "ground zero" (ponto zero), o buraco onde ficavam as torres do WTC. Mas a Port Authority of New York and New Jersey negou o terreno para um happening artístico pacifista. Os vários diretores convidados dos inúmeros núcleos participantes (eu, entre eles) usariam pseudônimos e nenhum nome de companhia poderia ser reconhecível.

Semelhanças com a tal época hippie à qual Cacá estava se referindo no tal almoço.

Domingo. Sou acordado às quatro da manhã. "Esteja na portaria daqui a meia hora por favor." "Vamos lá", me dizia uma voz de um "usher" na van que me pegou. Descemos em Tribeca. Comecei a reparar que já na esquina da Duane Street com Wedt Broadway havia dezenas de corpos cinzas deitados no chão. Alguns fotógrafos e cinegrafistas avisados registravam tudo. Nenhum público. De repente, chegam as ambulâncias e a polícia. O happening está formado.

Os corpos se levantam e uma certa coreografia é performada em torno dos paramédicos. Ninguém sabe se ri. A polícia esboça um certo sorriso e vai embora. Na melhor tradição de Jean Jacques Lebel e Julian Beck, o verdadeiro happening acontece por ser um ato teatral solitário que se liberta do teatro e pronto.

E isso aconteceu. Era um ato contra a guerra. O pseudônimo libertou-nos de nossos egos. Esses egos apodrecem o teatro assim como apodrecem a política.

Durou 40 minutos, mas ficará na história como poucas coisas ficarão. Ainda dava para sentir as almas que pairam em volta do WTC. Os corpos cinzas estavam lá pedindo a Bush que a revanche não é o caminho certo.

"Power Peace Exit" foi um testamento de que os políticos não nos ouvem mais e de que viramos sombras e outras variações de tons cinzentos.

Gerald Thomas é autor e diretor teatral
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página