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12/04/2003 - 03h41

Livro sobre Kazuo Ohno celebra criação inefável do mestre

SERGIO SALVIA COELHO
crítico da Folha

Em 1980 , no Festival de Nancy (França), Antunes Filho, que estava lá para apresentar seu "Macunaíma", interessou-se em ver a primeira apresentação ocidental de Kazuo Ohno, em seu espetáculo de butô, até então um conceito desconhecido, entre teatro e dança. Segundo as palavras de Antunes, "as portas do inefável se abriam para mim".

Tecido de memórias, tendo a morte como pano de fundo, o butô é muito mais uma visão do universo do que uma técnica formal, apesar da proliferação de "escolas de butô" que se seguiram a partir do momento em que o Sesc Consolação trouxe para o Brasil o espetáculo visto por Antunes, "Admirando la Argentina", em 1986.

Ohno viria mais três vezes ao Brasil e, em todas elas, deixou marcas profundas, inclusive em criadores como Tomie Ohtake e Ivaldo Bertazzo. O livro da Cosac & Naify documenta essas passagens, sobretudo através das fotografias de Emidio Luisi.

A rigor, bastariam as imagens: o movimento explicado por si, pelo registro da sensível câmera de Luisi e encadernadas com paixão em um processo semi-artesanal, em papel raro e tiragem limitada. Mas a organizadora e crítica da Folha Inês Bogéa, melhor do que tentar expressar o inefável em explicações redutoras, quis registrar a arte de Ohno através das impressões dos que se iluminaram com ele, além de traçar, na abertura do volume, a trajetória do butô e de seu criador.

O que se revela, portanto, em textos e imagens, é mais o processo e sua recepção do que um espetáculo-produto. Bogéa, contagiada pela simplicidade e ternura de Ohno, é precisa e envolvente em sua definição do butô (apontando influências de Isadora Duncan e do expressionismo alemão) que Ohno concebe em conjunto com Tatsumi Hijikata a partir de 1960, seguida pelo registro cronológico das obras, e passa rapidamente a palavra ao próprio Ohno, através de importantes entrevistas.

Nelas, Ohno evoca suas memórias, matéria-prima de seus espetáculos -sobretudo, as lembranças de sua mãe-, festeja a parceria com seu filho Yoshito (que também aparece nas fotos) e compartilha conceitos importantes, como a semelhança entre o butô e o bunraku, tradicional teatro de bonecos: assim como a roupa do boneco dá vida ao corpo de madeira, o que dá vida ao corpo do bailarino é o universo que o circunda.

Os depoimentos que se seguem, de Antunes Filho (que é muito revelador da estética do próprio Antunes) e Emidio Luisi consagram um gênio criador sem nenhuma auto-mistificação. Ohno é um mestre na concepção de Guimarães Rosa, não aquele que ensina sempre, mas "aquele que, de repente, aprende".

Entre outras virtudes, portanto, o livro "Kazuo Ohno" celebra a criação artística como uma experiência vital, sem garantias de resultados definitivos, mas em eterna transformação, no inefável e na memória.

Avaliação:

Kazuo Ohno
Autores:
vários
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 69 (160 págs.)

 

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