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18/08/2000 - 04h05

Livro: "Espelho Índio" reflete formação do Brasil

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FRANCESCA ANGIOLILLO, da Folha de S.Paulo

Quando o cientista social e analista junguiano Roberto Gambini, 56, começou a estudar o tema que resultaria em "Espelho Índio - A Formação da Alma Brasileira", ninguém andava pensando nos 500 anos do Brasil.
Mas, ao analisar a negação da cultura nativa na gênese da cultura e sociedade brasileiras, são os tais cinco séculos que "Espelho Índio" reflete.

O livro, lançado ontem em São Paulo, tem raízes em 1977, quando Gambini resolveu deixar a carreira de professor universitário para se formar psicoterapeuta pelo Instituto Jung, em Zurique (Suíça). Porém, para zarpar para a terra de Carl Gustav Jung (1875-1961, "O Homem e Seus Símbolos"), ele precisava de um projeto.

"Um dia fui parar no Pátio do Colégio (marco de fundação de São Paulo). Estava em reforma, mas tinha um balcão, e três livros em cima dele. Eram as cartas dos primeiros jesuítas no Brasil."

Gambini conta que as cartas uniram as duas pontas da sua formação. Desde o curso de ciências sociais na USP, queria "entender o Brasil". "Mas não do jeito que eu aprendi na Maria Antonia."

A partir dos escritos dos missionários enviados pela Coroa portuguesa para catequizar os índios, Gambini formulou a seguinte hipótese: os jesuítas chegaram ao Brasil com uma idéia pré-concebida do que era o nativo, projetando algo em cima dele.

"Se isso for verdade, estou achando uma porta para algo que eu nunca li em livro nenhum", concluiu. A porta tinha duas chaves, como ele perceberia.

Uma estava no conceito de projeção como proposto por Jung.
Assimilado o mecanismo pelo qual o psicanalista explica como julgamos ver no outro o que reprimimos em nós, Gambini fez uma leitura psicológica das cartas.

Para isso, buscou a outra chave: os exercícios espirituais de Inácio de Loyola, usados para desenvolver, pela meditação, a fé e a firmeza de caráter de "meninos de 18 anos que vinham cheios de vontade, mas não neutros" -nos exercícios, diz Gambini, o índio já surgia como um inimigo, do "mundo do demônio", a ser combatido pelos "soldados de Cristo".

"Os portugueses projetaram no índio a "sombra" deles: o lado que eles não conseguiam admitir que tinham, as inferioridades do cristão. Que o cristão é sádico, cruel, tem sede de poder, luxúria..."

Para Gambini, "o índio era um espelho no qual os jesuítas viram o lado
feio de sua cara. Decidiram, então, quebrar o espelho". Isso se deu, explica, por meio da negação sistemática dos símbolos indígenas imposta pela catequização.

"O povo brasileiro vem de um homem branco e uma mulher índia. Mas só sobra o corpo da mãe: a psique, a cultura, a ancestralidade, os significados que vêm de seu mundo foram negados."

"Entrando na leitura psicológica, temos um problema. A mulher índia passou os genes, mas não pôde passar sua identidade. É daí que nasce o povo brasileiro: de uma perda. E nós, cinco séculos depois, não temos uma consciência completa disso."

O próprio Gambini teve novas percepções a acrescentar, com a transformação da tese em livro, à primeira versão de "Espelho Índio", de 87. Isso, diz, se deve em grande parte às imagens raras, cerca de cem, cedidas pelo bibliófilo José Mindlin para a edição.

Como o autor frisa, não há um registro autóctone da visão indígena da conquista. Mas as imagens produzidas pelo invasor o ajudaram a entender, por exemplo, que "a verdadeira arma da conquista é o poder religioso".

Projeção positiva

Gambini explica que o índio também fez uma projeção sobre o branco, de aspectos relacionados a um mito ancestral, atribuindo ao invasor uma superioridade messiânica. Mas e o lado negativo, os índios não projetaram?

"O índio não tem o conflito do cristão do século 16, que pratica o lado bárbaro, mas não o reconhece. É isso que cria a projeção. Índio vive seu lado terrível. Índio não é "bom selvagem"."

Gambini frisa que é o dominante que tem de entender a complexidade da situação indígena. E comenta o episódio do protesto indígena nas comemorações dos 500 anos em Porto Seguro: "A sociedade dominante tira do índio o direito aos seus símbolos, e reprime, e leva preso, porque ele ousou mexer num símbolo do governo".

"Olha a perversão: aceitamos os nomes indígenas que estão na nossa geografia, mas é a palavra, só, sem significado. Foi isso que o Brasil branco fez com o Brasil índio: pegou tudo o que era deles e esvaziou de significado."

Livro: Espelho Índio
Autor: Roberto Gambini
Editoras: Axis Mundi /Terceiro Nome
Quanto: R$ 65 (192 págs.)
Patrocinador: Machado, Meyer, Sendacz e Opice - Advogados

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