24/04/2003 - 07h55

Revolução dos Cravos ganha retrato impressionista em documentário

OSCAR PILAGALLO
Editor do Folha Sinapse

O documentário sobre a Revolução dos Cravos, que o GNT leva ao ar hoje, véspera do 29º aniversário da maior guinada da história recente de Portugal, foge do formato convencional do gênero.

Em "Outro País", o cineasta Sérgio Tréfaut opta por privilegiar uma colagem desestruturada de cenas históricas, depoimentos de populares e entrevistas com fotógrafos e cineastas estrangeiros que presenciaram os eventos que se seguiram ao 25 de abril de 1974.

O entendimento da dimensão histórica cede lugar à emoção impressionista de artistas que foram ao país registrar as cenas -quase todos, naturalmente, simpáticos ao movimento que pôs fim a décadas de regime fascista.

O trabalho pouco acrescenta aos familiarizados com a revolução. Fica-se sabendo que o fotógrafo Sebastião Salgado achou tudo "fan-tás-ti-co". Ou se assiste, quase constrangido, às eufóricas entrevistas com populares conduzidas pelo anárquico Glauber Rocha, que fazia três, quatro perguntas na sequência, sem dar tempo para a resposta.

Há uma polifonia de línguas, sotaques, vozes que se justapõem sem um fio condutor nítido. Além disso, o uso de material bruto, intencionalmente não editado, prejudica o ritmo do documentário.

O tempo perdido na tentativa de dar um tratamento estético inovador ao trabalho poderia ter sido mais bem aproveitado para contar a história da revolução.

Foi um período curto, que teve uma fase moderadamente conservadora (até março de 75), outra radical de esquerda, com o predomínio do Partido Comunista (até novembro do mesmo ano) e uma terceira (até meados de 76) de reação moderada.

A velocidade dos acontecimentos está refletida na música "Tanto Mar", que Chico Buarque compôs para saudar os novos tempos em Portugal. "Sei que estás em festa, pá / Fico contente", canta ele no documentário. A letra foi censurada pelo regime militar no Brasil. A segunda versão, mais conhecida e não tocada em "Outro País", é toda no passado. O cravo já havia murchado.

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