Publicidade
Publicidade
15/05/2003
-
05h43
crítico da Folha
É ousada a proposta da Bendita Trupe. Transformar em peça teatral fatos recentes da política, e fatos tão marcantes como os da era Collor, supõe, por um lado, se embasar em uma pesquisa sólida, à prova de processos por injúria e difamação, e, por outro, prever uma platéia com a memória emotiva à flor da pele. Não se trata mais de denunciar a injusta política atual, mas de lembrar de injustiças recentes, aparentemente superadas, e apelar à consciência e à responsabilidade de uma platéia que votou ou não votou em Collor, se arrependeu ou não.
Não que seja imparcial o ponto de vista da montagem: o público já é recebido ao som de Gabriel o Pensador se vangloriando por ter matado o presidente. E se o grupo relata não ter começado os ensaios prevendo o tom que o espetáculo viria a ter, se seria uma farsa debochada ou um drama shakespeariano, o fato de o resultado final remeter basicamente ao tom paródico do teatro de revista talvez seja devido ao grotesco intrínseco dos fatos reais. O que chocou a opinião pública no processo de impeachment não foram tanto os milhões desviados, já que a corrupção é doença endêmica mundial, mas o modo canhestro como isso foi feito, a sem-cerimônia, a aplicação reles em fontes ornamentais e prazeres mesquinhos.
A montagem é assim dominada por um humor caricatural, bem exercido por um elenco camaleônico em cenas ágeis. A diretora Johana Albuquerque soube articular com grande inventividade um material que se adivinha saído de improvisos produtivos.
Porém, quando a peça faz a platéia rir de Paulo César Farias, despachando na cama presidencial, em flagrante promiscuidade com uma primeira-dama "caipira", corre o risco de amenizar o deprimente dos fatos reais, como se tudo houvesse acabado em Carnaval. Nas cenas finais, no entanto, Collor, já "impeachado", encontra seu ex-motorista trabalhando como flanelinha, arrependido por ter se tornado "exemplo de brasileiro" por manipulação jornalística, e o humilha. Azedado, o humor ganha então a conotação de ironia shakespeariana.
Contrariando o lugar-comum autodepreciativo de que o brasileiro não tem memória, a montagem exerce assim, apesar das ingenuidades, uma função fundamental: lembra a platéia que Collor foi eleito pela vontade do povo, que o escolheu para representá-lo. E que, a qualquer momento, pode ser eleito de novo. Porque a única coisa que se tem certeza de que não volta é o dinheiro desviado pela corrupção.
Avaliação:
Os Collegas
Texto e interpretação: Bendita Trupe
Direção: Johana Albuquerque
Quando: de qui. a sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 12/10
Onde: Sérgio Cardoso - Marcenaria dos Atores (r. Rui Barbosa, 153, SP, tel. 0/xx/ 11/288-0136)
Quanto: R$ 15
Montagem sobre era Collor apela à memória pelo riso
SERGIO SALVIA COELHOcrítico da Folha
É ousada a proposta da Bendita Trupe. Transformar em peça teatral fatos recentes da política, e fatos tão marcantes como os da era Collor, supõe, por um lado, se embasar em uma pesquisa sólida, à prova de processos por injúria e difamação, e, por outro, prever uma platéia com a memória emotiva à flor da pele. Não se trata mais de denunciar a injusta política atual, mas de lembrar de injustiças recentes, aparentemente superadas, e apelar à consciência e à responsabilidade de uma platéia que votou ou não votou em Collor, se arrependeu ou não.
Não que seja imparcial o ponto de vista da montagem: o público já é recebido ao som de Gabriel o Pensador se vangloriando por ter matado o presidente. E se o grupo relata não ter começado os ensaios prevendo o tom que o espetáculo viria a ter, se seria uma farsa debochada ou um drama shakespeariano, o fato de o resultado final remeter basicamente ao tom paródico do teatro de revista talvez seja devido ao grotesco intrínseco dos fatos reais. O que chocou a opinião pública no processo de impeachment não foram tanto os milhões desviados, já que a corrupção é doença endêmica mundial, mas o modo canhestro como isso foi feito, a sem-cerimônia, a aplicação reles em fontes ornamentais e prazeres mesquinhos.
A montagem é assim dominada por um humor caricatural, bem exercido por um elenco camaleônico em cenas ágeis. A diretora Johana Albuquerque soube articular com grande inventividade um material que se adivinha saído de improvisos produtivos.
Porém, quando a peça faz a platéia rir de Paulo César Farias, despachando na cama presidencial, em flagrante promiscuidade com uma primeira-dama "caipira", corre o risco de amenizar o deprimente dos fatos reais, como se tudo houvesse acabado em Carnaval. Nas cenas finais, no entanto, Collor, já "impeachado", encontra seu ex-motorista trabalhando como flanelinha, arrependido por ter se tornado "exemplo de brasileiro" por manipulação jornalística, e o humilha. Azedado, o humor ganha então a conotação de ironia shakespeariana.
Contrariando o lugar-comum autodepreciativo de que o brasileiro não tem memória, a montagem exerce assim, apesar das ingenuidades, uma função fundamental: lembra a platéia que Collor foi eleito pela vontade do povo, que o escolheu para representá-lo. E que, a qualquer momento, pode ser eleito de novo. Porque a única coisa que se tem certeza de que não volta é o dinheiro desviado pela corrupção.
Avaliação:
Os Collegas
Texto e interpretação: Bendita Trupe
Direção: Johana Albuquerque
Quando: de qui. a sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 12/10
Onde: Sérgio Cardoso - Marcenaria dos Atores (r. Rui Barbosa, 153, SP, tel. 0/xx/ 11/288-0136)
Quanto: R$ 15
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alice Braga produzirá nova série brasileira original da Netflix
- Sem renovar contrato, Fox retira canais da operadora Sky
- Filósofo e crítico literário Tzvetan Todorov morre, aos 77, em Paris
- Quadrinhos
- 'A Richard's estava perdendo sua cara', diz Ricardo Ferreira, de volta à marca
+ Comentadas
- Além de Gaga, Rock in Rio confirma Ivete, Fergie e 5 Seconds of Summer
- Retrospectiva celebra os cem anos da mostra mais radical de Anita Malfatti
+ EnviadasÍndice