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24/05/2003 - 02h48

Escritora revê processo que fez de sua obra uma mercadoria

DIEGO ASSIS
da Folha de S.Paulo

A jornalista canadense Naomi Klein, 33, passou para o outro lado, o do ativismo social, em 1999 e virou celebridade da noite para o dia com a publicação do libelo anticorporativismo "Sem Logo".

Mais de meio milhão de cópias, dois fóruns de Porto Alegre, um atentado aos Estados Unidos e uma guerra ao Iraque depois, Naomi Klein volta às prateleiras com "Cercas e Janelas", conjunto de ensaios, discursos e artigos publicados em sua maioria no "The Globe and Mail", em que a ativista mais visada do mundo mantém uma coluna semanal.

De lá para cá, jura de pé junto, nada de comer no McDonalds:

"Tem muita gente que usaria isso como desculpa para me desacreditar. O [diário canadense] 'National Post' tinha até uma coluna chamada 'Klein Watch' [de olho em Klein] só para me pegar".

Leia a seguir trechos da entrevista concedida por ela à Folha, de Buenos Aires, onde roda um documentário sobre fábricas ocupadas para a TV canadense.

Folha - Ao mesmo tempo em que briga contra as marcas, seu nome parece ter se tornado uma. Como você lida com essas contradições? Você usa tênis Nike, bebe Coca?

Naomi Klein -
(pensa, ri) Não, não. Mas tenho várias outras contradições, toda a minha vida é uma contradição. O fato de os meus livros serem publicados por uma grande corporação. Eu acredito numa relação próxima com o mundo real, mas o mundo real é corporativo. Não sei o que dizer sobre isso. A verdade é que eu não faço, mas também acredito que isso seja completamente sem importância. Seria muito fácil para as pessoas usarem isso contra mim. Só tento não dar munição.

Folha - Em "Sem Logo" você diz que há marcas "menos piores" que outras. Ainda acha isso?

Klein -
Eu escrevi aquilo quando tinha 28 anos. Não acredito que "Sem Logo" seja um manifesto para um movimento, muito menos para mim. Eu avancei em muitas análises daquele livro. O que eu dizia [de companhias como o McDonalds, a Nike etc.] é que existem companhias que são apenas janelas, símbolos muito arraigados na nossa cultura pop.

Já outras como a Dell Chemical, a Cargil ou a Monsanto não querem que ninguém saiba nem o seu nome. As piores corporações vendem para as outras, não vendem para o público direto, não têm uma loja que você possa boicotar. Se você for a uma escola falar com garotos de 13 anos sobre o Fundo Monetário Internacional elas vão ficar de saco cheio. Mas, se falar de sua própria cultura, que é a Nike, a Coca-Cola, o McDonalds você terá a sua atenção.

Folha - Qual a importância de "Sem Logo" para os movimentos anti-capitalismo de hoje?

Klein -
Não acho que seja um texto atemporal. Sempre o vi como uma ponte para uma cultura de massas totalmente apolítica na esperança de ver um engajamento maior. Uma vez cruzada esta ponte, haverá livros muito melhores para ler. Eles não estão lendo "Sem Logo" dentro dos círculos anarquistas do movimento, eles lêem Bakunin, Debord. E a outra parte, a massa, está lendo Noam Chomsky, Eduardo Galeano...

Folha - Em "Cercas e Janelas", num capítulo sobre os zapatistas, você cita a fetichização dos movimentos sociais da América Latina pelos ativistas do hemisfério norte. Acha que isso ocorreu com Lula?

Klein -
Não é só o Norte que fetichiza o Lula, vocês também. Mas a atração tem muito mais a ver com o fato de que, antes de Lula chegar ao poder na esfera nacional, o PT havia conquistado as municipalidades. As cidades viraram focos de resistência e essa idéia começou a se espalhar por algumas cidades da Itália e agora no Canadá está havendo uma renovação do interesse em políticas municipais. Portanto, não é um fetiche à moda antiga, como aquela bobagem de Chávez e Castro, é uma troca de experiências sobre o que funcionou e o que não funcionou.

Folha - E algumas promessas de campanha não têm funcionado...

Klein -
É o "fenômeno do clone", como diz o Galeano, em que você elege um mas é o outro quem governa e faz coisas opostas do que disse durante a campanha. Essa foi a minha decepção com Lula. A mudança só acontecerá se houver segmentos sociais fortes que estabeleçam um tipo de contrato durante a campanha, menos baseado em líderes e mais em idéias. Basicamente um sistema que remova a fé da equação. Hoje elegemos pessoas por quatro ou cinco anos e, depois, simplesmente ficamos esperando o melhor.

Folha - Acha que foi essa mesma mentalidade que permitiu a eleição de Kirchner na Argentina?

Klein -
Acho que todos aqui estão um pouco frustrados. Kirchner não é um messias para ninguém. Nos ciclos políticos, os momentos de otimismo são importantes, mas é importante alterná-los com momentos de realismo, de estratégia e de praticidade. E o que os movimentos sociais argentinos precisam aprender agora é como não ficar esperando que alguém conserte tudo para você.

CERCAS E JANELAS
Autor: Naomi Klein
Editora: Record
Preço: R$ 28 (252 págs.)
 

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