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29/05/2003
-
03h49
crítico da Folha
Como era o Brasil em sua primeira infância, quando os portugueses haviam desembarcado há apenas 70 anos, os índios não tinham sido dizimados e os primeiros escravos negros começavam a chegar? Uma resposta plausível está em "Desmundo", filme de Alain Fresnot, adaptado do livro homônimo de Ana Miranda que entra em cartaz em São Paulo, no Rio e em Brasília amanhã.
Nascido na França em 1951, Fresnot veio para o Brasil aos oito anos. Aos 12, ganhou dos pais uma câmera oito milímetros. Depois, não largou mais o cinema. "Desmundo" é seu terceiro longa-metragem em 35 milímetros e uma experiência radicalmente diferente de "Lua Cheia" (drama inspirado em obra de Bertolt Brecht, de 1989) e de "Ed Mort" (comédia baseada em texto de Luís Fernando Verissimo, de 1997).
Em "Desmundo", Fresnot transformou um livro subjetivo e de linguagem poética num filme cru, um retrato realista do Brasil no século 16. Além de um ponto de partida dramático forte --a história de Oribela (Simone Spoladore), jovem órfã portuguesa que, em 1570, é trazida à força para a colônia para se casar com um senhor de engenho (Osmar Prado)--, o que interessou Fresnot na obra da escritora Ana Miranda foi a possibilidade de elaborar um retrato realista de um país ainda em formação.
Tão realista que os diálogos são falados em português arcaico, traduzidos para o português do Brasil atual em legendas, como se faz nos filmes estrangeiros.
Documento antropológico
Essa não foi uma decisão fácil para o cineasta, que ponderou bastante antes de bater o martelo. "Só resolvi usar o português arcaico definitivamente quando a produção já estava adiantada. A partir do ótimo trabalho dos diretores de arte Adrien Cooper e Chico de Andrade, criei coragem para ser o mais fiel possível à época e respeitar a idéia de tornar o filme quase um documento antropológico. Também pesou o fato de o público brasileiro estar acostumado a ler legendas e de o filme trazer poucos diálogos", conta Fresnot.
Um longo trabalho de pesquisa dá base à reconstituição. A equipe da direção de arte construiu uma vila e um engenho na região de Ubatuba, litoral de São Paulo. Ao elenco de atores juntou-se um grupo de 150 índios ensaiados pelo ator e diretor Darci Figueiredo. Os diálogos do roteiro foram traduzidos pelo linguista Helder Ferreira, professor da Universidade de São Paulo.
"Ele realizou uma pesquisa profunda a partir de documentos da época, cartas e textos como o das peças de Gil Vicente. Muitas vezes, para uma mesma frase, ele me dava três ou quatro formulações possíveis", afirma o cineasta.
Um CD com as falas dos personagens foi distribuído para cada ator, e Helder acompanhou as filmagens (que se realizaram em nove semanas, entre maio e junho de 2001) para tirar dúvidas e corrigir erros "in loco".
"Tive a sorte de poder ensaiar bastante. Chegamos cerca de dez dias antes das filmagens nas locações e, antes disso, havíamos feito muitas leituras de mesa", afirma o diretor.
A opção pelo português arcaico acentua a credibilidade de "Desmundo". No livro, narrado em primeira pessoa, tudo é contado por Oribela. "Mas no filme optei por um foco externo, alheio à personagem, que me permitisse uma visão mais ampla. Também tirei os delírios de Oribela, pois tinha medo de introduzir elementos oníricos num filme de intenções realistas. Optei pela crueza."
A única imagem "estranha" a que Alain Fresnot se permite é um plano invertido de uma praia, onde as ondas arrebentam "de cabeça para baixo", síntese perfeita da idéia do filme, a de uma terra que é o espelho invertido de Portugal, um "desmundo".
O autor da trilha sonora é John Neschling, diretor da Orquestra Sinfônica de São Paulo e compositor das trilhas de "Gaijin", "Pixote - A Lei do Mais Fraco" e "O Beijo da Mulher-Aranha", entre outros.
"Há muito tempo ele não fazia cinema", diz Fresnot. "Mostrei o filme já montado, e ele se apaixonou. Compôs a música em três semanas, e acredito que o resultado tenha contribuído muito para definir a atmosfera do filme."
Em "Desmundo", Fresnot faz retrato do país no século 16
PEDRO BUTCHERcrítico da Folha
Como era o Brasil em sua primeira infância, quando os portugueses haviam desembarcado há apenas 70 anos, os índios não tinham sido dizimados e os primeiros escravos negros começavam a chegar? Uma resposta plausível está em "Desmundo", filme de Alain Fresnot, adaptado do livro homônimo de Ana Miranda que entra em cartaz em São Paulo, no Rio e em Brasília amanhã.
Nascido na França em 1951, Fresnot veio para o Brasil aos oito anos. Aos 12, ganhou dos pais uma câmera oito milímetros. Depois, não largou mais o cinema. "Desmundo" é seu terceiro longa-metragem em 35 milímetros e uma experiência radicalmente diferente de "Lua Cheia" (drama inspirado em obra de Bertolt Brecht, de 1989) e de "Ed Mort" (comédia baseada em texto de Luís Fernando Verissimo, de 1997).
Em "Desmundo", Fresnot transformou um livro subjetivo e de linguagem poética num filme cru, um retrato realista do Brasil no século 16. Além de um ponto de partida dramático forte --a história de Oribela (Simone Spoladore), jovem órfã portuguesa que, em 1570, é trazida à força para a colônia para se casar com um senhor de engenho (Osmar Prado)--, o que interessou Fresnot na obra da escritora Ana Miranda foi a possibilidade de elaborar um retrato realista de um país ainda em formação.
Tão realista que os diálogos são falados em português arcaico, traduzidos para o português do Brasil atual em legendas, como se faz nos filmes estrangeiros.
Documento antropológico
Essa não foi uma decisão fácil para o cineasta, que ponderou bastante antes de bater o martelo. "Só resolvi usar o português arcaico definitivamente quando a produção já estava adiantada. A partir do ótimo trabalho dos diretores de arte Adrien Cooper e Chico de Andrade, criei coragem para ser o mais fiel possível à época e respeitar a idéia de tornar o filme quase um documento antropológico. Também pesou o fato de o público brasileiro estar acostumado a ler legendas e de o filme trazer poucos diálogos", conta Fresnot.
Um longo trabalho de pesquisa dá base à reconstituição. A equipe da direção de arte construiu uma vila e um engenho na região de Ubatuba, litoral de São Paulo. Ao elenco de atores juntou-se um grupo de 150 índios ensaiados pelo ator e diretor Darci Figueiredo. Os diálogos do roteiro foram traduzidos pelo linguista Helder Ferreira, professor da Universidade de São Paulo.
"Ele realizou uma pesquisa profunda a partir de documentos da época, cartas e textos como o das peças de Gil Vicente. Muitas vezes, para uma mesma frase, ele me dava três ou quatro formulações possíveis", afirma o cineasta.
Um CD com as falas dos personagens foi distribuído para cada ator, e Helder acompanhou as filmagens (que se realizaram em nove semanas, entre maio e junho de 2001) para tirar dúvidas e corrigir erros "in loco".
"Tive a sorte de poder ensaiar bastante. Chegamos cerca de dez dias antes das filmagens nas locações e, antes disso, havíamos feito muitas leituras de mesa", afirma o diretor.
A opção pelo português arcaico acentua a credibilidade de "Desmundo". No livro, narrado em primeira pessoa, tudo é contado por Oribela. "Mas no filme optei por um foco externo, alheio à personagem, que me permitisse uma visão mais ampla. Também tirei os delírios de Oribela, pois tinha medo de introduzir elementos oníricos num filme de intenções realistas. Optei pela crueza."
A única imagem "estranha" a que Alain Fresnot se permite é um plano invertido de uma praia, onde as ondas arrebentam "de cabeça para baixo", síntese perfeita da idéia do filme, a de uma terra que é o espelho invertido de Portugal, um "desmundo".
O autor da trilha sonora é John Neschling, diretor da Orquestra Sinfônica de São Paulo e compositor das trilhas de "Gaijin", "Pixote - A Lei do Mais Fraco" e "O Beijo da Mulher-Aranha", entre outros.
"Há muito tempo ele não fazia cinema", diz Fresnot. "Mostrei o filme já montado, e ele se apaixonou. Compôs a música em três semanas, e acredito que o resultado tenha contribuído muito para definir a atmosfera do filme."
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