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31/05/2003 - 03h55

Livro reúne entrevistas publicadas em dez anos de caderno Mais!

CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

No jargão jornalístico, as entrevistas editadas no formato pergunta e resposta são chamadas de pingue-pongue. Tal como no tênis de mesa, o entrevistador lança a bola; o entrevistado rebate.

A semelhança pára aí. Uma rede separa o pingue-pongue esportivo do jornalístico. No primeiro, sai vencedor um dos lados da mesa. No segundo, o ganhador deve ser aquele que assiste à partida.

Durante mais de dez anos, o caderno Mais!, da Folha, vem trazendo importantes personagens para falar em suas páginas. A partir de agora, uma ampla seleção dessas entrevistas com os mestres fica disponível para os leitores que perderam a oportunidade de ler os textos no jornal.

Está chegando hoje às livrarias a primeira parte de "Memórias do Presente/100 Entrevistas do Mais!", obra que reproduz conversas com grandes artistas do Brasil e do resto do mundo.

"Conhecimento das Artes" é o subtítulo deste primeiro volume, que reúne 51 entrevistas sobre cinema, literatura, crítica, artes plásticas, fotografia, arquitetura, teatro, música e dança. "Artes do Conhecimento", o segundo tomo, a ser lançado em julho, completa o trabalho com pingue-pongues com filósofos, cientistas, historiadores, economistas, antropólogos, políticos.

As cem entrevistas foram escolhidas por Adriano Schwartz, editor do Mais! há três anos e desde 1995 no caderno. Para tanto, ele examinou uma a uma as mais de 500 edições do suplemento dominical, que completou uma década no ano passado.

O jornalista vê como marca mais forte do conjunto de conversas "a idéia de formação": "Seja em seu sentido mais abrangente (a rememoração dos acontecimentos decisivos de uma vida desde a infância), seja em sentidos mais específicos, a formação de uma idéia, de uma obra, de uma obsessão", afirma.

Com objetivo muito mais histórico do que conjuntural, os textos rememoram, por exemplo, a criação de Brasília, por seu desenhista Lúcio Costa, a constituição de um cinema brasileiro, da boca de Nelson Pereira dos Santos, o Big Bang da poesia concreta, em depoimentos de seus três fundadores, Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari.

E os tête-à-têtes não ficam só nas raízes do Brasil. O espanhol Pedro Almodóvar, em sua primeira grande entrevista no país, fala da influência da literatura em seu cinema, o americano John Cage comenta (e silencia) o silêncio de sua música, o italiano Umberto Eco afirma que foi um educador toda a sua vida, tanto nas teorias quanto em seus romances.

"Todo esse material estava dormindo nos arquivos", diz Arthur Nestrovski, editor da Publifolha, que está lançando os livros. Idealizador do projeto, como uma espécie de sequência de "Figuras do Brasil" (Publifolha), volume organizado por ele com textos de expoentes da cultura brasileira publicados nos 80 anos da Folha, Nestrovski protagoniza também momentos curiosos desses pingue-pongues (quando um dos "tenistas" pega a bolinha pra si).

Em uma entrevista com o ensaísta Haroldo Bloom, ele termina a conversa dando ao autor de "O Cânone Ocidental" uma tradução que fizera de texto do argentino Macedonio Fernández. Bloom terminaria o livro que escrevia à época com essa citação.

Recordistas em entrevistas deste primeiro volume de "Memórias do Presente", os jornalistas Alcino Leite Neto e José Geraldo Couto, cada um com seis pingue-pongues, também guardam boas histórias de bastidores.

Couto, hoje colunista da Folha, encontrou um João Cabral de Melo Neto amargurado, às voltas com a cegueira. Sofredor de longa data de dores de cabeça, que combatia com quilos de aspirina, o poeta confessou: "Entre a dor de cabeça e a angústia, eu preferia a dor de cabeça". Da sua cabeça, o jornalista não apaga ainda o argentino Adolfo Bioy Casares, já muito doente, com elegante terno e gravata, dentro de casa.

Leite Neto, um dos três editores da história do Mais! (Marcos Augusto Gonçalves, hoje editor de Opinião, completa o trio), não esquece acima de tudo o encontro que armou entre Júlio Bressane e Rogério Sganzerla, nomes máximos brasileiros do "cinema marginal" e há anos afastados. "Foi uma conversa longa. Eles saíram muito emocionados", lembra o hoje editor de Domingo da Folha.

Longos são boa parte dos encontros por trás dos pingue-pongues reunidos no livro. A entrevista com José Celso Martinez Corrêa, na qual o criador do Teatro Oficina fala da racionalidade de seu trabalho, durou seis horas.

Compridas foram ainda as conversas com Chico Buarque, dos quais saíram informações raras, como a de que seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, teve um filho na Alemanha.

A mesa está armada. Bons pingue-pongues a todos.
 

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