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02/06/2003 - 03h17

Wayne Shorter afina seu sax com o "futuro do jazz"

CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Wayne Shorter, isso não se discute, é um dos maiores personagens vivos do jazz.

O saxofonista e compositor enxerga no retrovisor uma explosiva participação na banda The Jazz Messengers, do baterista Art Blakey, no final dos anos 50, a "substituição" de John Coltrane no quinteto de Miles Davis, nos anos 60, e as tempestades que criou com o grupo Weather Report, pioneiro do fusion, nos anos 70.

E eis que Shorter, nos anos 80, se encolheu. Sua discografia parou de crescer, o compositor de clássicos como "Nefertiti" e "JuJu" deixou de assinar novas partituras de impacto, diminuíram até mesmo suas turnês.

Foi só no novo milênio que o saxofonista tomou embalo de novo. Em 2001, uma boa parceria com o colega de Miles Davis Quintet Herbie Hancock. Em 2002, seu primeiro álbum ao vivo como líder, o saboroso "Footprints Live!". Agora, o músico de Nova Jersey achou "Alegría".

É este o nome de seu novo álbum, que tem como base uma canção espanhola que Miles sugeriu que ele usasse nos anos 60 -partitura que andava perdida.

Como o nome indica, o disco marca um momento otimista de Shorter. Em agosto, ele completará 70 anos com um grande concerto chamado "Wayne Shorter, Vida e Música". Em entrevista à Folha, o saxofonista diz: "Não vou tocar nenhuma das minhas velhas composições. Vou usar essa única noite para marcar o que será o futuro". Com vocês Wayne Shorter, de volta para o futuro.

Folha - "Alegría" é uma palavra latina e há muita latinidade no disco. O sr. já usou influências de várias outras origens. Como é cozinhar nesse caldeirão cultural em um país como os EUA?
Wayne Shorter - É muito difícil. Os norte-americanos carregam uma espécie de fronteira artificial junto com eles. Pensam que suas vidas são o centro de absolutamente tudo. Costumo dizer aos garotos que vão aos meus shows que a música não pode ser uma prisioneira como as pessoas daqui, que são prisioneiras de suas próprias ignorâncias.

Folha - O sr., que já tem longa relação com a MPB, gravou agora um tema de Villa-Lobos. Qual o papel da música brasileira nessa luta antiignorância?
Shorter - Gosto de pensar que a música brasileira trabalha com espaços mais abertos. Creio que os instrumentistas brasileiros têm ouvidos grandes. Eles escutam coisas que os americanos não podem. Nós não temos ouvidos tão grandes e temos tampões de ouvido imensos, feitos pelo que chamo de guardiões do mercado. Lutar contra eles é minha missão.

Folha - Dizem que a música "Vendiendo Alegría", que o sr. grava, foi um presente de Miles Davis. Como foi essa história?
Shorter - Ele tinha uma partitura dessa música. Um dia ele falou [imita a voz rouca de Davis]: "Hey, Wayne, você deveria fazer algo com isso". E jogou a partitura sobre a mesa da cozinha. Levei o papel para a minha casa e lá ele ficou de 1965 até 1998.

Folha - "Alegría" parece ter uma forte relação com o estilo de música que Gil Evans orquestrava para Miles Davis no final dos anos 50. O sr. buscou essa sonoridade?
Shorter - Acho que sim. Eu esperei tanto para fazer o que Miles me pedira que, quando encontrei o papel, depois que ele tinha morrido [em 91], pensei: "OK, Miles, vou fazer algo. Ainda não é tarde". É uma espécie de celebração do sentimento que Davis tinha por Gil Evans e outros compositores, como Shostakovich, Puccini, Tom Jobim, João Bosco.

Folha - Ouvidos grandes...
Shorter - Que ouvidos!

Folha - O sr. faz parte do pequeno grupo de jazzistas que destruiu padrões musicais e apresentou novos no lugar. O sr. acha que ainda é possível criar algo de novo no jazz?
Shorter - Uma coisa revolucionária do jazz é que essa palavra, jazz, significa, para mim, algo sem nenhuma categoria específica. O que é revolucionário no jazz é o processo criativo, que é muito permeável. É como o vaga-lume que vai de árvore em árvore deixando como pólen a mensagem: vamos ser livres, vamos ser livres.

Folha - Mas existe algo de novo no jazz de hoje?
Shorter - A música, apenas, é sempre nova. Mas o que fez do bebop algo revolucionário foi ter ele sido também uma revolução social. Era visível que Charlie Parker não fazia nada parecido com a música dos cafés de alta sociedade. Hoje para se associar a algo novo seria necessário se desassociar do que já existe. Ser novo, só, não resolve. É necessário refletir alguma missão do homem.

Folha - O sr. completará 70 anos em agosto com um concerto chamado "Wayne Shorter, Vida e Música". É possível fazer uma espécie de balanço de sua carreira até aqui?
Shorter - Sabe o que vou fazer nesse show? Não vou tocar nenhuma das minhas velhas composições. Não vou falar: "Isto é o que fiz nos anos 60. Isto eu criei nos 70". Vou usar essa única noite para marcar o que será o futuro. Nessa noite vou mostrar o que acontecerá de agora em diante.
 

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