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05/06/2003 - 03h29

Adaptação de peça do séc. 19 dialoga com contexto social de hoje

VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Galinhas ciscam num canto do chão de terra batida, ao lado de espadas-de-são-jorge. Noutro canto, troncos de árvores secos. Noutro, o canto de pisar o barro. Noutro, o forno manual. E no centro de tudo, a maromba, uma máquina arcaica que molda o tijolo baiano oriundo da lama.

Eis a Olaria Brasil, a fábrica de tijolos para onde foi enviado o soldado raso do escritor alemão Georg Büchner (1813-1837) no espetáculo "Woyzeck, o Brasileiro". Ele escreveu a peça, mas não colocou um ponto final. Morreu antes, aos 23 anos.

O cenário-instalação criado por Marcos Pedroso (da trilogia bíblica do Teatro da Vertigem) ocupa um galpão do Sesc Belenzinho, na zona leste de São Paulo, e deixa claro, de chofre, que a encenação de Cibele Forjaz transpõe o texto alemão do século 19, pilar do moderno teatro mundial em pleno pré-capitalismo, para um Brasil profundo do presente.

Aqui, Woyzeck não é o soldado raso, mas o operário alienado, explorado. O contexto de opressão, no entanto, é similar. A dramaturgia de Fernando Bonassi, a partir de adaptação que realizou com Forjaz e o ator Matheus Nachtergaele, pretende dar conta desse sujeito que é massacrado pelo trabalho excessivo, pela saúde deteriorada, pela mulher que o trai e até pela consciência que lhe surrupiam.

"É um processo de enlouquecimento de um homem pelas suas circunstâncias", diz Forjaz, 36. E que circunstâncias, sobretudo em tempos do colapso do emprego.

Sugestão que Nachtergaele colheu numa viagem pelos rincões do Amazonas, durante a gravação de um filme, a olaria serve como ponte para o mal-estar da civilização contemporânea. Segundo a diretora, a ação poderia se passar numa linha de montagem de carros, e a alienação, em todos os sentidos, permaneceria arraigada, como há séculos.

Woyzeck (Nachtergaele) é humilhado pelos superiores, usado como cobaia por um médico. Um homem patético, grotesco, que se vê transformado em sua miserável condição de bicho.

"Ele foi buscar no lugar errado a única coisa que lhe desse sentido à vida: no ciúme", afirma Nachtergaele, 34, a despeito do desfecho trágico que espelha os desvãos do amor romântico. "Onde ele pensou encontrar a salvação, encontrou perdição."

Para o ator, que também encampa a produção, Woyzeck é seu personagem "mais complicado", ele que já protagonizou "O Livro de Jó" (92). O personagem encerra contradições em sua "escravatura", massa de manobra que não vislumbra virtude alguma na condição de pobre.

"Os operários da olaria fazem a matéria-prima para os shoppings que são construídos, mas nos quais são barrados; erguem hospitais nos quais não são atendidos", diz Nachtergaele.

Ele e Forjaz montaram a peça pela primeira vez em 90, então recém-formados em artes cênicas. Voltam agora, no projeto que passou pelo Rio e chega a São Paulo, movidos pela vocação humanista ("Essa peça é um pedido", diz ele) e pela urgência da época ("Essa peça é angústia com grito de espanto", diz ela).

Serão apenas 18 apresentações, numa realização do Sesc SP.

WOYZECK, O BRASILEIRO
De: Georg Büchner
Direção: Cibele Forjaz
Onde: Sesc Belenzinho - galpão (av. Álvaro Ramos, 915, tel. 0/ xx/ 11/6602-3700)
Quando: estréia sábado, às 21h; sáb. e dom., às 21h
Quanto: R$ 15
Patrocinadores: BrasilTelecom, Rede Pathernon - Accor
 

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