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06/06/2003 - 09h24

Filme faz retrato em preto e branco do sionismo americano

TIAGO MATA MACHADO
Crítico da Folha de S.Paulo

Para o romancista José Saramago, que se meteu há pouco tempo numa polêmica ao comparar as atitudes dos israelenses para com palestinos ao que os nazistas faziam com os judeus, um filme como "Tolerância Zero" seria um prato cheio.

Ele é a contraditória história de um judeu hitlerista, um skinhead que faz furor nos maçônicos círculos neofascistas nova-iorquinos com suas teses anti-semitas, enquanto tenta recalcar o seu judaísmo de origem. O filme de Henry Bean é inspirado na história de Daniel Burros, um jovem que foi preso, nos anos 70, numa reunião da Ku Klux Klan e se suicidou após ter sua origem judia divulgada por um repórter do "The New York Times", para quem tinha feito um discurso anti-semita.

A escritora Hannah Arendt costumava dizer que o povo judeu, que da Idade Média à modernidade foi levado sucessivamente à conversão, à diáspora e ao extermínio, "povo eleito" como vítima do projeto cristão-ocidental, não podia assimilar-se a não ser assimilando também o anti-semitismo. A radicalidade desse pensamento é reproduzida no filme de maneira tortuosa e obscurantista.

"Tolerância Zero" começa com a perseguição do skinhead Danny (Ryan Gosling) a um judeu que é o estereótipo da vítima passiva, vítima da condição de refém a que seu povo foi, historicamente, relegado. O diretor Bean repercute, nessa relação entre Danny e suas vítimas, o mesmo teor sadomasô que Liliana Cavani explorava no clássico "O Porteiro da Noite", em que o velho carrasco nazista e sua judia predileta reencontravam-se no pós-guerra para consumar seus laços de sangue. Se Danny mantém esse tipo de relação não apenas com suas vítimas, mas com todos à sua volta, é porque, obviamente, é o tipo de relação que mantém consigo mesmo.

A produtora de Bean chama-se Fuller Films, e Danny, em suas pulsões autodestrutivas, é um personagem de filiação fulleriana, violento, contraditório, agente duplo duplamente culpado. Por sua virulência, Fuller foi tido pela crítica francesa de esquerda como um direitista vulgar. Incapaz de se distanciar dos atos e palavras de seu protagonista, enamorado pela radicalidade dele, o diretor Henry Bean incorre no mesmo perigo.

Tanto mais que suas escolhas são equívocas: Danny, o judeu recalcado, deixa-se comover pelos ornamentos de uma sinagoga que saqueia, mas é implacável diante do depoimento de judeus sobreviventes do Holocausto.

A esses, ele e seu grupo neofascista aplicam a velha "política do esquecimento" que sempre vitimou os judeus. Política que os sionistas nova-iorquinos, a verdadeira direita americana, aplicam hoje aos palestinos, quando chegam a negar que estes habitavam a Palestina antes de 1948, ano da fundação do Estado israelense.

Nesse sentido, Danny, o judeu que, em sonho, identifica-se mais com um carrasco nazista do que com sua vítima, não deixa de ser um triste retrato em preto e branco do sionismo americano.

Avaliação:

Tolerância Zero
Produção: EUA, 2001
Direção: Henry Bean
Com: Ryan Gosling, Theresa Russell
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca Unibanco Arteplex, Villa-Lobos e Belas Artes
 

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