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07/06/2003 - 05h05

Escritor John Fante navega pela temática do deslocamento

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Colunista da Folha de S.Paulo

A frase está na página 22: "Desejei mulheres das quais só os sapatos valiam mais do que jamais possuí". Esta outra, na 177: "Meia-noite em Temple Street, uma lata de maconha entre nós".

São momentos de forte inspiração em "Pergunte ao Pó", romance do americano John Fante que sai no Brasil em nova tradução.

Lançada nos EUA em 1939, "Pergunte ao Pó" é a obra fundamental de Fante, um ítalo-americano alcoólatra de produção bissexta. Pouco antes de morrer, quase desconhecido, Fante (1909-83) experimentou súbita notoriedade. Foi içado do esquecimento por Charles Bukowski, que assina a apaixonada introdução de "Pergunte ao Pó" e convenceu sua editora, a Black Sparrow, a relançar a obra de Fante nos anos 80.

Bukowski via em Fante um proto-beat, um precursor da literatura de deslocamento e inadequação que mais tarde seria praticada por Jack Kerouac, Allen Ginsberg e o próprio Bukowski.

"Pergunte ao Pó" tem como protagonista Arturo Bandini, escritor de 20 anos que se muda do Colorado para Los Angeles em busca de glória literária. Filho de imigrantes italianos, Bandini é um alter ego de Fante, um filho de católicos da Itália que saiu do interior ainda jovem rumo às riquezas do Oeste.

Bandini vive em um hotel barato no centro de Los Angeles. Está a ponto de ser despejado, sem muitas opções de renda. Depende da caridade da mãe, que lhe manda algum dinheiro pelo correio, ou dos cheques que uma revista envia quando publica seus contos.

Em um bar mofento, ele conhece a garçonete de origem mexicana Camilla Lopez. Ela e Arturo se torturam psicologicamente, trocam malcriações, terminam mergulhados em álcool, drogas, violência e loucura.

Narrador na primeira pessoa, Arturo Bandini deixa-se levar pelo fluxo de consciência, como no trecho que descreve o terremoto que atingiu Long Beach em 1933: "Vi uma mulher presa debaixo do carro, morta e esmagada, mas estendendo a mão para sinalizar que ia virar à direita. Vi três homens mortos numa mesa de pôquer. Hellfrick assobiava: Verdade? Verdade? Que pena, que pena. E será que eu podia lhe emprestar cinquenta centavos?". Minutos antes, Arturo tinha perdido a virgindade. Saiu à rua e o chão se abriu.

Ainda que não seja fácil, a narrativa de "Pergunta ao Pó" nunca chega ao experimentalismo de um William Faulkner. Mesmo quando os pensamentos de Bandini jorram em alta velocidade, o romance conta uma história linear, sem sinal do dilaceramento faulkneriano do espaço-tempo.

A tradução mostra-se correta. Faz boa transposição do inglês de rua da Los Angeles dos anos 30 para o português brasileiro atual, sem cair no excesso de gírias ou vulgaridades. Há deslizes menores, como traduzir para um solene "tome cuidado" a expressão corriqueira "take care", usada em despedidas com o significado de "se cuida", ou, simplesmente, "até logo".

Sugestão para futuras edições (caso haja): incluir um mapa simples de Los Angeles, antes do primeiro capítulo, mostrando só as principais regiões da cidade. Ajudaria a entender a geografia da vida de Bandini --para que lado ficam a praia, o deserto, o centro.

Avaliação:

Pergunte ao Pó
Autor: John Fante
Tradução: Roberto Muggiati
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 30 (208 págs.)
 

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