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09/06/2003
-
12h13
Colunista da Folha de S.Paulo
Michael Moore, vencedor do Oscar de documentário em 2003, é um grande defensor das liberdades civis ou um manipulador calculista? Seus filmes são pura verdade ou usam uma edição sorrateira para, simplesmente, provar as teses que Moore defende?
O debate pegou fogo na caixa postal de "Escuta Aqui" desde que, há duas semanas, reproduzi um texto da revista gringa "Radar" que conta falcatruas da carreira de Moore. A "Radar" revelou, por exemplo, que é forjada a principal cena de "Tiros em Columbine", documentário que aborda a obsessão americana por armas e que deu o Oscar ao cineasta.
Na cena, Moore abre uma conta num banco que dá um rifle para novos clientes. O ápice se dá quando ele sai da agência já com a arma na mão. "Radar" explicou que a realidade é bem diferente -o rifle só é entregue depois de uma checagem de antecedentes que pode levar dias. Moore convenceu os funcionários do banco a fornecer o trabuco no ato para depois trair a confiança deles, esculhambando-os na edição final.
Os leitores se dividiram. Um grupo acusou a "Radar", publicação nova-iorquina, de estar a serviço de Bush e asseclas. Outra parte se disse chocada com a notícia de que o cineasta do "bem" também faz picaretagens.
Num meio-termo ficou o leitor Heitor Porto, do Rio, que me mandou mais mutretas, denunciadas pela revista "Forbes", mas também ressalvou que Michael Moore, além de bom cineasta, odeia Bush, o que o torna digno "de um mínimo de simpatia".
Concordo com o Heitor. É paranóia acusar a irreverente "Radar" de agente da direita americana. Como também é simplista imaginar Moore como um cara "purinho" só porque ele é "do bem".
Sai uma lição de vida dessa história: alguém que defende causas "boas" não é necessariamente uma "boa" pessoa, na acepção clássica do adjetivo.
Gente muito ambiciosa (mesmo que seja ambição "do bem") e/ou com grande espírito empreendedor (ainda que seja para empreender "o bem") e/ou muito célebre (mesmo que use a celebridade "para o bem"), em geral só pensa em duas coisas: em si própria e nas suas causas.
Exemplo extremo: em 2001, em uma fazenda na Califórnia, fiz uma reportagem durante um treinamento de ativistas antiglobalização. Pois bem: não conheci nenhum líder ali que não me desse a impressão de que pisaria no pescoço da mãe, se necessário, para divulgar suas mensagens "do bem".
"Tiros em Columbine" é muito bem-feito, com um roteiro inteligentíssimo. Mas é manipulação pura. Sua edição, tecnicamente magistral, é vergonhosa ao se aproveitar de fragmentos de respostas, embaralhar áudio e vídeo, deixar perguntas não respondidas, fingir que se trata de um filme "caseiro".
Isso é ruim? Bem, como aponta um outro leitor, que se assina apenas Stubb, o próprio Moore já disse que faz cinema para fazer política. "Tiros em Columbine" pode não ser verdadeiro, mas é um irretocável artefato político.
Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
Escuta Aqui: Verdades e mentiras do "bonzinho" Michael Moore
ÁLVARO PEREIRA JÚNIORColunista da Folha de S.Paulo
Michael Moore, vencedor do Oscar de documentário em 2003, é um grande defensor das liberdades civis ou um manipulador calculista? Seus filmes são pura verdade ou usam uma edição sorrateira para, simplesmente, provar as teses que Moore defende?
O debate pegou fogo na caixa postal de "Escuta Aqui" desde que, há duas semanas, reproduzi um texto da revista gringa "Radar" que conta falcatruas da carreira de Moore. A "Radar" revelou, por exemplo, que é forjada a principal cena de "Tiros em Columbine", documentário que aborda a obsessão americana por armas e que deu o Oscar ao cineasta.
Na cena, Moore abre uma conta num banco que dá um rifle para novos clientes. O ápice se dá quando ele sai da agência já com a arma na mão. "Radar" explicou que a realidade é bem diferente -o rifle só é entregue depois de uma checagem de antecedentes que pode levar dias. Moore convenceu os funcionários do banco a fornecer o trabuco no ato para depois trair a confiança deles, esculhambando-os na edição final.
Os leitores se dividiram. Um grupo acusou a "Radar", publicação nova-iorquina, de estar a serviço de Bush e asseclas. Outra parte se disse chocada com a notícia de que o cineasta do "bem" também faz picaretagens.
Num meio-termo ficou o leitor Heitor Porto, do Rio, que me mandou mais mutretas, denunciadas pela revista "Forbes", mas também ressalvou que Michael Moore, além de bom cineasta, odeia Bush, o que o torna digno "de um mínimo de simpatia".
Concordo com o Heitor. É paranóia acusar a irreverente "Radar" de agente da direita americana. Como também é simplista imaginar Moore como um cara "purinho" só porque ele é "do bem".
Sai uma lição de vida dessa história: alguém que defende causas "boas" não é necessariamente uma "boa" pessoa, na acepção clássica do adjetivo.
Gente muito ambiciosa (mesmo que seja ambição "do bem") e/ou com grande espírito empreendedor (ainda que seja para empreender "o bem") e/ou muito célebre (mesmo que use a celebridade "para o bem"), em geral só pensa em duas coisas: em si própria e nas suas causas.
Exemplo extremo: em 2001, em uma fazenda na Califórnia, fiz uma reportagem durante um treinamento de ativistas antiglobalização. Pois bem: não conheci nenhum líder ali que não me desse a impressão de que pisaria no pescoço da mãe, se necessário, para divulgar suas mensagens "do bem".
"Tiros em Columbine" é muito bem-feito, com um roteiro inteligentíssimo. Mas é manipulação pura. Sua edição, tecnicamente magistral, é vergonhosa ao se aproveitar de fragmentos de respostas, embaralhar áudio e vídeo, deixar perguntas não respondidas, fingir que se trata de um filme "caseiro".
Isso é ruim? Bem, como aponta um outro leitor, que se assina apenas Stubb, o próprio Moore já disse que faz cinema para fazer política. "Tiros em Columbine" pode não ser verdadeiro, mas é um irretocável artefato político.
Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
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