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13/06/2003 - 04h09

Annie Lennox despe sua tristeza no orgulhoso "Bare"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

De volta à carreira solo autoral, a cantora e compositora escocesa Annie Lennox, 49, parece disposta a recolher seus cacos de vidro, sem qualquer pendor à autocondescendência --"nua", como quer definir o título de seu terceiro álbum solitário.

"Bare" é sua volta às canções inéditas solo, após 11 anos --desde "Diva" (92) ela não o fazia. O único interlúdio de lá para cá foi o desorientado "Peace" (99), que marcou breve volta do duo Eurythmics, que a celebrizou a partir de 83.

Sozinha, ela registrara também "Medusa" (95), que no entanto se tratava de um CD de intérprete, em que dava impressão digital própria a canções anteriores de Al Green, Neil Young, Procol Harum, The Clash e outros.

"Bare" é um disco dado à melancolia, se não em diversos momentos à própria depressão. Os títulos das canções quase bastam para ser expressivos nesse sentido: "The Saddest Song I've Got" (Minha Canção Mais Triste), "Loneliness" (Solidão), "The Hurting Time" (A Hora da Dor), "Twisted" (Enroscada)...

Há o contraponto, é claro, como acontece na mais cândida e eficiente balada do disco, "A Thousand Beautiful Things" (Mil Coisas Lindas). Não é esse, entretanto, o ambiente predileto de Lennox em "Bare".

Na maior parte do disco, ela quer mesmo expor, descrever, discutir e dissecar sentimentos corrosivos, como se eles fossem as reais sementes germinantes de seu solo artístico --OK, arte tem sido sempre um modo de predileção para veicular a dor.

Entregue ao ouvinte, tal alternativa resulta em momentos de forte beleza melancólica, de intensa delicadeza triste. Torna, ao mesmo tempo, o disco difícil de engolir, penoso, um exercício de dor a quem quiser acompanhar seus textos, seus raciocínios.

Musicalmente a engrenagem é equivalente, embora talvez invertida. Ao abordar a busca pelos sentimentos mais brandos (em "A Thousand Beautiful Things"), Annie costura baladas das mais tristes e emocionantes.

Ao mergulhar nos sentimentos mais afogueados (como em "The Saddest Song I've Got"), tenta expor uma vivacidade, uma agressividade ríspida, que transforma a canção na mais zangada de todas, não na mais triste.

Esse, aliás, é o tom predominante de "Bare" --mais que de baladas de acariciar a dor, ele é feito de lampejos ácidos, às vezes pouco digeríveis porque bordados em musicalidade pouco sutil, não pelo mal-de-século que encerram.

A inserção entre pop art e música comercial aparece enviesada, como era desde a fundadora "Sweet Dreams (Are Made of This)" (83), dos Eurythmics. Não se identifica ao certo se é arte exorcizando demônios ou dor dirigida às massas.

Talvez seja os dois, talvez sua faca de dois gumes corte por ambos os lados. De todo modo, Annie Lennox goza as delícias e padece das angústias de falar de dor com secreta alegria, de cantar o vigor com disfarçado desânimo.

É coragem que pouco seria permitida hoje em dia num país tropical feito o Brasil, cercado de "alegria" por todos os lados. Tem esse mérito, inquestionável. Mas é doído, dolorido, doloroso. É essa a nudez orgulhosa e nunca envergonhada de Annie Lennox.

Avaliação:

Bare
Artista: Annie Lennox
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 28, em média
 

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