Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
14/06/2003 - 03h33

Itamar Assumpção morreu com cara de São Paulo

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

Poucos homens da música popular tiveram tanta cara de São Paulo como teve Itamar Assumpção, morto de câncer anteontem, aos 53 anos. Itamar era São Paulo em sua face mais sombria, brava, temperamental, apressada. E criativa.

Como São Paulo, ele tinha uma percepção rigorosa e diversas vezes cruel de si mesmo. Isso está exposto em dezenas e dezenas de suas canções, sempre muito simbolistas e de poesia habitualmente feita de sonoras aliterações poéticas e forte conteúdo conceitual.

Itamar queria ser (era) tropicalista. Sabia-se tão musculoso quanto eles, embora infinitamente menos valorizado. Ao expectorar versos como "venha até São Paulo ver o que é bom pra tosse", dizia, implicitamente: "Venham até mim, venham me conhecer".

Muitos paulistanos se deixaram seduzir, mas poucos dos demais brasileiros o fizeram. Desde muito cedo Itamar forjou e cultivou (embora esbravejasse que não) a fama de "maldito", irascível, difícil. Do tempo em que ser "difícil", para um artista, era qualidade.

Para além de ter se transmutado em paulistano, esse paulista de Tietê era também morador convicto da Penha. Num rasgo de exímia ironia, refletiu sobre a condição marginalizada de habitante da zona leste no funk-soul "Nobody Knows" (94). Traduzidos, os versos diriam mais ou menos assim: "Ela me abandonou/ porque moro no lado leste da cidade/ (...) o lado leste é meu santuário".

Sua viagem se deu aos solavancos, como numa linha de metrô cheia de paradas leste-oeste. Começou vital e fervilhante no tempo de "Beleléu Leléu Eu" (80), com temas de gancho como "Fico Louco", "Nego Dito", "Baby".

Emergiu na fartura de experimentalismo e na falta de apuro técnico de "Às Próprias Custas S/ A" (83) e "Sampa Midnight Isso Não Vai Ficar Assim" (86), para chegar ao correto, bem desenhado e secreto "Intercontinental! Quem Diria! Era Só o Que Faltava!!!" (88). Para "Bicho de Sete Cabeças", Itamar sonhou que ia se casar com o pop. Pop era tudo que o trio de discos era de fato, com seus altos teores de funk, samba, rock, tropicália. O bloqueio se deu pela carência de acesso ao mercadão, compadrios da MPB, esquemas de jabá.

Acreditando na pureza de princípios, Itamar ainda pensou que um disco com as redondas canções populares de Ataulfo Alves pudesse bastar para inverter os vetores de sempre. Não bastou.

O resultado foi uma amargura e uma raiva expostas como feridas abertas no iracundo "Preto Brás" (98) e nos shows do final da vida.

Itamar Assumpção morreu com cara de Brasil, desconhecido pelo Brasil. E ainda com a cara de sua São Paulo --homem-cidade gigante e imponente, mas isolado em si e desabitado de si.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página