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19/07/2003 - 03h17

Guillermo Cabrera Infante detalha relação entre charutos e cinema

CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Depois de passar décadas produzindo uma das melhores literaturas do mundo, Guillermo Cabrera Infante chegou a uma conclusão taxativa. Nada é pior do que um verso ruim --com exceção de um charuto ruim.

Assim, quando a revista "New Yorker" lhe encomendou nos anos 80 um ensaio sobre os havanas, o escritor ficou, nas suas próprias palavras, "em chamas".

O cubano, auto-exilado em Londres desde a década de 60, acendeu um charuto e "mandou brasa". Escreveu, fumou, escreveu, fumou, escreveu e chegou a uma pilha tão grande de páginas que nem o periódico nova-iorquino, que publica alguns dos maiores artigos da imprensa mundial, conseguiu acolher seus rabiscos.

Uns nove meses depois, pesando 420 páginas, nasceria "Holy Smoke" (Santa Fumaça), primeira livro em inglês de Infante.

Obra sem paralelos na "charutologia" mundial, e que pode ser tragada com grande prazer pelos não charuteiros (ops, tragada não; "charutos não devem ser tragados nunca, jamais!"), agora chega ao português.

Batizado como "Fumaça Pura" (tradução da versão espanhola, "Puro Humo"), este ensaio-almanaque-memórias do universo da fumaça (que Infante define, não sem razão, como "uma crônica erudita, mas divertida, da relação entre o charuto e o cinema") será lançado pela Bertrand Brasil no próximo dia 28.

Vencedor do Prêmio Cervantes 1997 e autor de clássicos da literatura latino-americana como "Três Tristes Tigres", Cabrera Infante, hoje com 74 anos, falou com a Folha a respeito.

Folha - "Fumaça Pura" é uma declaração de amor ao charuto e ao cinema. Nele o sr. afirma: "Fumar não é precisamente escrever. Os charutos, de fato, são como o cinema". Por quê?
Guillermo Cabrera Infante -
Fumar é um prazer, escrever se converte depois de muitos anos em um dever. É uma enorme diferença. Fumar é consumir algo que está feito para fumar. Escrever é inventar. O cinema é um fenômeno narrativo curioso. É superior à literatura. Não é um romance, mas narra como um romance. Não é uma coleção de pinturas e fotografias, mas contém também fotografias e pinturas. O cinema é a invenção do século 20.

Folha - Além de falar sobre a relação do charuto com o cinema, o sr. menciona em "Fumaça Pura" dezenas de grandes personalidades amigas da fumaça, de Karl Marx a Groucho Marx. Por que o sr. não trata de charuteiros ilustres vivos?
Infante -
Não existem mais grandes personalidades fumando charutos. Isso foi resultado das patrulhas recentes contra o cigarro, que acabaram prejudicando o charuto também. E os dois não têm nada que ver. Não há nada pior do que fumar charutos como se fossem cigarros, o que Fidel fazia.

Folha - O descobridor do tabaco, Rodrigo de Xeres, teria sido queimado vivo quando visto fumando, por acharem tratar-se de bruxaria. Sob esse ponto de vista, esse atacado patrulhamento dos fumantes está bem mais leve, não?
Infante -
(risos) Ah, sim, antes a coisa era bem pior. Na Turquia cortavam os narizes de quem fumava. Na Rússia havia represálias muito cruéis. O rei da Inglaterra Jacob 1º escreveu um manifesto de 50 páginas contra o tabaco.

Folha - O sr. é um dos críticos mais ferozes de Fidel Castro, mas vem consumindo nessas décadas de exílio quantidades industriais de uma das principais fontes de renda do país, seus charutos. O sr. não é "patrulhado" por isso?
Infante -
Parei de comprar os charutos cubanos recentemente. Depois que "Fumaça Pura" saiu na Espanha, tenho recebido centenas de caixas de amigos e leitores. Só tenho fumado destes. Além disso, minha família tem uma fábrica de charutos em Miami, a Sosa, e me mandam sempre.

Folha - O "embargo" do sr. foi inspirado no de Sartre, que, como o sr. conta, deixou de consumir charutos cubanos ao romper com Fidel?
Infante -
Claro que parei de comprar os "habanos" unicamente por questões políticas. Mesmo com Fidel, eles continuam, de longe, os melhores do mundo. Agora tenho preferido fumar os da República Dominicana, não tão bons, mas livres.
 

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