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23/07/2003
-
06h54
da Folha de S.Paulo, em São José do Rio Preto
Dizer que é provocador o espetáculo do grupo argentino El Periférico de Objetos é limitar-se ao essencial. De fato trata-se aqui de um espetáculo que se ama ou se odeia, logo nos primeiros minutos.
No caos do princípio, mal se pode distinguir entre bonecos e manipuladores: inanimados sob uma mesma camada de lama, nus como se fossem gravuras do "Desastres de la Guerra" de Goya, vão articulando pouco a pouco movimentos grotescos, fragmentos de conflitos, escatologias da sobrevivência.
Depois de uma "pausa higiênica" voltam para um segundo ato complementarmente anti-séptico. Agora, a referência não é tanto o "grand guignol" de Jarry, mas o universo de Beckett, estéril e paranóico. Vestidos de branco, os atores vivem enclausurados sob o comando de uma voz externa, privados de memória, cobaias de um campo de concentração/reality show.
Não se trata apenas de provocação, no entanto, na medida em que o termo possa ser reduzido a um mero pretexto para revoltar o bom gosto da platéia. Antes de tudo, o grupo conta com uma trajetória de 13 anos, durante os quais cada referência (Ubu Rei, Beckett, Kafka) já foi aprofundada em espetáculos de grande êxito. Mais do que isso, os efeitos do espetáculo perturbam por desvirtuarem princípios básicos da manipulação.
Na segunda parte, a cruel manipulação de baratas é hamletianamente metalinguística. A profusão de referências, detalhada no belo programa, parte do tema da peça "O Último Dia da Humanidade", de Karl Kraus, à qual se somam Brecht, Bacon, Tarkóvski e Kubrick.
Mas isso não quer dizer que seja hermética a dramaturgia: seduz por um lúdico cinismo, atravessado por um lirismo pungente, com uma fábula coerente o bastante para que cada um puxe seu fio dessa meada.
Assim, os brechtianos saberão se distanciar pela ironia da voz de comando ser em inglês, língua do FMI e das tropas no Iraque, assim como os grotoviskianos saberão se deixar levar pela imersão nas sensações. E é dessas sínteses improváveis e desestabilizadoras que vem o principal mérito do espetáculo: não o da provocação, mas o de ser inovador, com toda a responsabilidade que o adjetivo acarreta.
Avaliação:
A Última Noite da Humanidade
Texto: Karl Kraus
Direção: Emilio Garcia Wehbi, Ana Alvarado e Daniel Veronese
Com: cia. El Periférico de Objetos
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Pompéia, tel. 0/xx/11/3871-7700)
Quando: hoje e amanhã, 21h
Quanto: de R$ 15 a R$ 30
Especial
Veja a programação e acompanhe o Festival Internacional de Teatro de Rio Preto
Argentinos mostram em Rio Preto "A Última Noite da Humanidade"
SERGIO SALVIA COELHOda Folha de S.Paulo, em São José do Rio Preto
Dizer que é provocador o espetáculo do grupo argentino El Periférico de Objetos é limitar-se ao essencial. De fato trata-se aqui de um espetáculo que se ama ou se odeia, logo nos primeiros minutos.
No caos do princípio, mal se pode distinguir entre bonecos e manipuladores: inanimados sob uma mesma camada de lama, nus como se fossem gravuras do "Desastres de la Guerra" de Goya, vão articulando pouco a pouco movimentos grotescos, fragmentos de conflitos, escatologias da sobrevivência.
Depois de uma "pausa higiênica" voltam para um segundo ato complementarmente anti-séptico. Agora, a referência não é tanto o "grand guignol" de Jarry, mas o universo de Beckett, estéril e paranóico. Vestidos de branco, os atores vivem enclausurados sob o comando de uma voz externa, privados de memória, cobaias de um campo de concentração/reality show.
Não se trata apenas de provocação, no entanto, na medida em que o termo possa ser reduzido a um mero pretexto para revoltar o bom gosto da platéia. Antes de tudo, o grupo conta com uma trajetória de 13 anos, durante os quais cada referência (Ubu Rei, Beckett, Kafka) já foi aprofundada em espetáculos de grande êxito. Mais do que isso, os efeitos do espetáculo perturbam por desvirtuarem princípios básicos da manipulação.
Na segunda parte, a cruel manipulação de baratas é hamletianamente metalinguística. A profusão de referências, detalhada no belo programa, parte do tema da peça "O Último Dia da Humanidade", de Karl Kraus, à qual se somam Brecht, Bacon, Tarkóvski e Kubrick.
Mas isso não quer dizer que seja hermética a dramaturgia: seduz por um lúdico cinismo, atravessado por um lirismo pungente, com uma fábula coerente o bastante para que cada um puxe seu fio dessa meada.
Assim, os brechtianos saberão se distanciar pela ironia da voz de comando ser em inglês, língua do FMI e das tropas no Iraque, assim como os grotoviskianos saberão se deixar levar pela imersão nas sensações. E é dessas sínteses improváveis e desestabilizadoras que vem o principal mérito do espetáculo: não o da provocação, mas o de ser inovador, com toda a responsabilidade que o adjetivo acarreta.
Avaliação:
A Última Noite da Humanidade
Texto: Karl Kraus
Direção: Emilio Garcia Wehbi, Ana Alvarado e Daniel Veronese
Com: cia. El Periférico de Objetos
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Pompéia, tel. 0/xx/11/3871-7700)
Quando: hoje e amanhã, 21h
Quanto: de R$ 15 a R$ 30
Especial
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