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09/12/2007 - 02h43

Isso se chama arquiteto

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CHRISTIAN DE PORTZAMPARC
Especial para a Folha

Eu tinha 14 anos quando vi as fotos dos primeiros edifícios de Brasília. Era um sonho. Um pouco mais tarde, eu descobria em um livro um desenho do Le Corbusier para Chandigarh, e depois, os croquis de Oscar Niemeyer para Brasília, dois choques. Os croquis de Oscar mostravam a invenção simples e pura da forma dialogando com a grande paisagem. Podíamos então fazer isto, era uma profissão! Isso se chamava: arquiteto.

Quando comecei a desenhar para construir, lembrei e realizei o que tinha sido esse momento de surpresa e de descoberta dos desenhos, o momento onde o olhar nasce. Na infância, ele se alimentava inconsciente. E um dia comecei a ver a cada instante o mundo diferentemente. O que fazer? Tornar-se um sonhador ativo? Um arquiteto brasileiro? Como a muitos, Oscar Niemeyer tinha aberto meus olhos. Ele mostrava como a arquitetura podia, aprimorando-se, aliar no mais alto nível a razão e a sensibilidade, o rigor e a forma.

Com Brasília, um mundo aparecia. Novamente a arquitetura unia os homens. Um povo se reconhecia. O medo do simbólico que caracterizava toda a arquitetura do pós-guerra parecia ter desaparecido.

Essa maneira única de dar um sentido evidente a um edifício pela sua plástica, mas também pela sua estrutura racionalmente pensada, contrariou muito na época. Nenhuma submissão à estrutura, em Oscar, um jogo inventivo, plástico, com ele uma liberdade.

A igreja de São Francisco em Pampulha foi um espanto na rua de Sèvres em Paris, no ateliê de Le Corbusier. Servir-se de cascos de concreto da mesma forma que os engenheiros estruturais com essa mistura de lirismo e de desenvoltura e produzir com isso o sagrado _era bonito. "Corbu" fica marcado. Sabemos o que Oscar deve a Corbu e a Lucio Costa, conhecemos o início da lenda, a construção do Palácio da Cultura Gustavo Capanema (MEC) no Rio, o jovem Oscar que faz um croqui que Costa vai recolher no chão, para mostrá-lo ao mestre. Os pilotis bastante elevados que dão toda a urbanidade ao edifício do Rio nasceram desse encontro. Costa e Niemeyer terão rapidamente um domínio, pessoal, cada um à sua maneira, da teoria e da gramática corbusiana. Oscar não é um aluno, ele é um homem que pegou o testemunho na mão do grande predecessor e continua sua corrida. E quando, 17 anos depois do concurso do MEC, Oscar reencontra Le Corbusier em Nova York com Wallace Harrison, é porque cada um deles foi convidado a apresentar um croqui para o edifício da ONU no East River. Imediatamente, a maquete de Oscar seduz a comissão. Ele torna as massas mais leves e as simplifica separando claramente os volumes da grande sala, da torre e dos escritórios, enquanto os outros juntam esses elementos tão diferentes do programa de maneira "sábia". No projeto de Oscar vemos que a forma é astuciosa, simplificada e dominada, não como a modelagem de um objeto complexo, mas como um jogo de espaço, onde o vazio é o elemento-chave.

Rapidamente, as formas simples e puras de Oscar se impõem. E, à noite, Le Corbusier telefona a Oscar em seu hotel propondo unir os dois projetos para a apresentação no dia seguinte num mesmo número. Ele se sente com certeza, com algumas razões, o pai desse vocabulário que ele defende há mais de 30 anos. Portanto, temos uma outra interpretação, que é aberta, escultural, direta. Oscar aceita, "era meu mestre", dirá. Mais tarde, em Paris, Le Corbusier, tomando um café com Oscar, dirá subitamente, "você é um cara generoso, Oscar".

Quando Le Corbusier construiu a capela de Ronchamp, ele criou uma física dos espaços que era o oposto da Pampulha. O peso, a massa e a gravidade caracterizam a capela de Corbu, com um sentido primitivo do sagrado e do mistério, e a leveza, a felicidade de uma pureza nova do espaço em uma bela economia de meios são elaboradas na igreja de Oscar. Porém, sem a insolente evidência de Pampulha, o mestre teria efetuado essa surpreendente saída expressiva onde o imaginário dispensou a razão pura?

Oscar parece juntar o talento romano da abóbada, do arco, da cúpula, à matemática musical da ordem grega, as duas grandes matrizes do poema arquitetural do Ocidente, segundo o poeta Yves Bonnefoy. Assim foi preciso que fosse longe do Mediterrâneo, no imenso Brasil da vida tropical, que a arquitetura encontrasse esse salto, essa generosidade simples que fala ao homem da rua e que faltou quase sempre nas cidades do mundo, durante cinqüenta anos.

CHRISTIAN DE PORTZAMPARC, francês, ganhou o Pritzker em 1994.

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Comentários dos leitores
robson moraes (1) 08/11/2008 09h45
robson moraes (1) 08/11/2008 09h45
Como já foi comentado, alguns arquitetos não primam pela funcionalidade e sim pela estética (como e o caso de Niemayer) Brasília não foi construídas para seres humanos e sim robôs, ecologicamente incorreta, como outras obras dele, aonde as pessoas tem que trabalhar em ambientes caustrofobicos de concreto aonde não seria viável a vida sem ar condicionado. Para mim o memorial da América Latina é uma aberração que poderia primar menos pelo concreto e priorizar o verde. Me perdoem os especialistas em arte, mas aquela mão de concreto sangrando considero de extremo mau-gosto. Enquanto ao "maravilhoso ser - humano". Niemayer se trata de um comunista radical de carteirinha, que aprova ditadores como Fidel Castro e Stalin . sem opinião
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Conheço in loco várias obras projetadas pelo
endeusado Niemeyer ; quase todas são do tipo
"o belo antonio" do cinema italiano , muito bonito
mas não funciona .
Os arquitetos de maneira geral privilegiam a estética, e negligenciam a funcionalidade !
15 opiniões
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Pedro Paulo Palazzo (2) 28/12/2007 11h06
Pedro Paulo Palazzo (2) 28/12/2007 11h06
BRASILIA / DF
O chauvinismo brasileiro é realmente triste! Basta um arquiteto ficar famoso para ele ser endeusado. Os projetos são perfeitos, as construtoras é que não prestam... Sei... Quando vamos aprender que Niemeyer, JK, Zumbi e tantos outros "heróis" nacionais eram seres humanos falíveis, como todos nós? 32 opiniões
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