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29/07/2003 - 10h34

Palco em Rio Preto recebe confissão de todas as dúvidas

SERGIO SALVIA COELHO
da Folha de S.Paulo, em São José do Rio Preto

Com o tema da utopia e da exclusão, com participação da Argentina e do Equador, seria de se supor que a épica brechtiana se espalhasse pelo 3º Festival de São José do Rio Preto. Predominou o questionamento aberto, a partir de recursos modestos, mas o olhar foi mais antropológico que sociológico, mais intimista que doutrinário, mais evocação da memória que apelo à revolução.

Assim, os argentinos do Periférico de Objetos em "A Última Noite da Humanidade" mergulharam em um lúdico sarcasmo ao expor a contra-utopia de um "reality show" que isola e anestesia, mas não abriram mão do lirismo ao projetar fragmentos de filmes caseiros, levando ao desespero de querer voltar para casa, quando casa não há mais.

Desse exílio da memória pessoal parte o Grupo Malayerba em "Nuestra Señora de las Nubes": reinventar o passado é condição básica para manter a dignidade no presente, mesmo se o real assim criado seja fantástico e fragmentário.

A projeção de um passado feliz em contraponto a um incômodo presente marca também "A Volta ao Dia em 80 Mundos", da Cia. Brasileira de Teatro de Curitiba. Márcio Abreu, contando com o enorme carisma de Maureen Miranda e Christiane de Macedo, reinventa Julio Cortázar no feminino, ao propor o mundo como um jogo de desmontar.

Para os náufragos na utopia, a objetividade só pode ser vista com ironia, como a Cia. Coreto da beckettiana Cláudia Missura, que traduziu os tratados de Descartes em programa culinário de televisão, em "As Paixões da Alma", ou como origem da tragédia, no sol a pino do dia aristotélico de "Medéia", encarnada com impacto por Cibele Jácome, na versão do teatro do Pequeno Gesto, do Rio.

Fazendo a ponte entre essas ilhas utópicas, o resgate da memória transformava o elenco do Lume Teatro nos excluídos do Brasil, no inesquecível "Café com Queijo". Sussurrados ao ouvido de cada viajante da "Viagem em Terra Interior", laboratório de vivências de Léa Dant, os segredos compartilhados transtornavam o público vendado.

Assim, apesar do troféu pela participação no festival ser o são José sorridente, nunca se viu tantas lágrimas na platéia. Desde a trilogia bíblica do teatro da Vertigem, catarse coletiva, até a comunhão das angústias do artista, solidão da "mulher de olhos fechados", episódio do "Prêt-à-Porter 5" do CPT de Juliana Galdino, e da escultora Camille Claudel no delicado "O Deus que Voou", teatro-dança do Teatro do Limite, o que se pôs no palco nesse ano de transição não foram fórmulas prontas, mas a confissão de todas as dúvidas.

"VOCÊ TEM CERTEZA?", mote da provocação do multiartista Juny Kp!, sintetiza: o 3º Festival de Rio Preto, marcado pela introspecção e perplexidade. Semeada a utopia e regada com lágrimas da emoção, a safra do ano que vem promete uma grande colheita.

O crítico Sergio Salvia Coelho viajou a convite da organização do festival

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