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09/08/2003 - 07h27

Pirandello enfatiza o teatro da condição humana

SERGIO SALVIA COELHO
crítico da Folha

A tradução de peças do dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936) para o português --como a de "O Enxerto" e "O Homem, a Besta e a Virtude"- é sempre notícia relevante, pois sempre foi vital a presença de Pirandello nos palcos brasileiros.

Desde que Oswald de Andrade promoveu sua "anunciação" em 1923, vendo "Seis Personagens em Busca de um Autor" triunfar em Paris, a sofisticada ironia de seu teatro, sobretudo o metalinguístico, costuma vicejar por aqui, endossada por nomes como Nydia Lícia (em cujo teatro se fez uma antológica montagem de "Esta Noite se Representa de Improviso") e Paulo Autran, que voltou várias vezes ao essencial "Seis Personagens em Busca de Autor", enquanto ator e diretor.

E não só o teatro de Pirandello: suas novelas, em geral ponto de partida de suas peças, já eram editadas em São Paulo em 1925, estando Francisco Pati entre seus primeiros tradutores no mundo. Não é exagero, portanto, afirmar que Pirandello contribuiu muito para nos tornar cosmopolitas.

No entanto, muitas de suas peças ainda estão para ser traduzidas. Várias envelheceram e têm um interesse apenas histórico, por revelar o quanto Pirandello é devedor do melodrama e do vaudeville. Mas uma hábil garimpagem de Aurora Bernardini e Homero de Andrade traz agora para perto da ribalta dois textos complementares: "O Enxerto" e "O Homem, a Besta e a Virtude".

De tons opostos, sendo a primeira um quase melodrama, de ironia leve, e a segunda uma sátira que beira a commedia dell'arte, as peças de 1919 constituem uma espécie de elo entre a primeira fase de seu teatro, cujo tema dominante é a possibilidade de uma pessoa ser várias, dependendo de quem a vê, e a segunda e mais conhecida fase, que incorpora metalinguisticamente o fazer teatral.

De uma peça para outra, a teatralidade, que remete a uma condição essencial do ser humano, é acentuada, produzindo assim resultados bem diferentes. "O Enxerto" poderia facilmente passar por um melodrama, ao discutir em termos morais incômodas questões como o estupro, o aborto e o adultério, sem perder a compostura.

Laura é estuprada logo na cena três e engravida, vindo assim a descobrir a infertilidade do marido. Esse filho ilegítimo poderia ser encarado como um mal que vem para o bem, "enxerto" na família burguesa? O polêmico aqui é atenuado por ser expresso apenas por alusões, como se o público fosse Giulietta, a irmã mais nova, de quem é preciso preservar a pureza.

Pirandello se mostra tão hábil nos meios tons, que se chega a desconfiar de uma ironia em relação às convenções da época, como faz Tardieu, por exemplo, na paródia "Só Eles o Sabem".

Em "O Homem, a Besta e a Virtude", no entanto, Pirandello é outro: abandona qualquer prudência e expõe seu erotismo desbragadamente, com personagens que parecem saídos do teatro de bonecos.

O tema é equivalente: Paolino, professor patético (uma autocaricatura de Pirandello), tem um caso com a senhora Perella, mulher de um marinheiro que a negligencia sexualmente, por ter outra família. Quando ela engravida, no entanto, o professor precisa encontrar um subterfúgio para que o marinheiro finalmente consume seu casamento para poder crer que o filho é seu. Beirando a grosseria, mas com uma verve popular impagável, os atores nesse texto são convidados a endossarem o caricatural, em rubricas precisas.

Nesse volume, portanto, e bem ao estilo do autor, temos um Pirandello lunar e um solar: ele é aquilo que queremos que seja. Além da interessante e bem embasada introdução, os tradutores mostram assim que a responsabilidade de uma edição de texto teatral vai além de disponibilizar um texto. Ao reunir textos assim complementares, fazem como uma encenação imaginária, à altura da inteligência de Pirandello.

Avaliação:

O Enxerto/O Homem, a Besta e a Virtude
Autor:
Luigi Pirandello
Tradutores: Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade
Editora: Edusp
Quanto: R$ 21 (176 págs.)
 

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