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26/08/2003
-
03h57
JOSÉ GERALDO COUTO
colunista da Folha
A 31ª edição do Festival de Gramado será lembrada como o ano em que o cinema latino ganhou de goleada do brasileiro.
Na premiação dos longas nacionais, o júri fez a opção mais saudável e corajosa. O grande vencedor, "De Passagem", do estreante Ricardo Elias, é talvez, ao lado de "Apolônio Brasil", o filme cujos defeitos são mais evidentes. São também os únicos que têm vida. Os outros três longas já nasceram mortos. Casos perdidos.
"De Passagem" conta a história de três jovens negros criados na periferia de São Paulo: os irmãos Jefferson e Washington e seu amigo Kennedy. A narrativa alterna dois momentos. No presente, Jefferson (Silvio Guindane) é um cadete de escola militar do Rio que chega a São Paulo para reconhecer o cadáver do irmão, morto numa periferia braba, num acerto de contas entre traficantes.
Para ajudá-lo a se locomover numa cidade que não é mais a sua, acompanha-o o amigo Kennedy (Fábio Nepô). Enquanto atravessam a cidade, relembram momentos marcantes da infância, em que se definiram seus caminhos. Começam os flashbacks.
As passagens entre os dois tempos é por vezes demasiado mecânica e desajeitada, e os meninos atores que representam os personagens na infância não estão bem dirigidos. Por fim, há cenas francamente tolas, como a da perseguição dos dois amigos por um misterioso personagem.
A despeito de tudo isso, "De Passagem" demonstra uma vitalidade e um desejo sincero de expressão que o distanciam de "produtos" bem feitinhos e vazios como "Dom", "O Preço da Paz" e "Noite de São João".
Um dos méritos de Ricardo Elias é o de não sucumbir nem ao fetichismo da técnica nem ao naturalismo estrito que domina os diálogos e a encenação dos filmes que tratam da pobreza e da violência entre jovens, na busca descerebrada por "autenticidade".
"De Passagem" não parece ter a intenção de mostrar "a vida como ela é". Seus personagens parecerão talvez ingênuos a alguns. Sua representação do ambiente suburbano poderá ser acusada de artificial. Pouco importa.
As referências do filme parecem ter muito menos a ver com o novo brutalismo do cinema urbano brasileiro do que com o humanismo italiano de um De Sica e o lirismo de um Zurlini.
Isso não impede que a cidade de São Paulo pulse em "De Passagem" com toda a sua inominável feiúra, seus descampados inóspitos, suas vielas escuras, seus becos sombrios, nos quais se decidem diariamente os destinos de jovens como os do filme. É no afeto por eles que se sustenta essa obra bela e imperfeita.
Júri premia imperfeição com vida em vez de técnica vazia
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colunista da Folha
A 31ª edição do Festival de Gramado será lembrada como o ano em que o cinema latino ganhou de goleada do brasileiro.
Na premiação dos longas nacionais, o júri fez a opção mais saudável e corajosa. O grande vencedor, "De Passagem", do estreante Ricardo Elias, é talvez, ao lado de "Apolônio Brasil", o filme cujos defeitos são mais evidentes. São também os únicos que têm vida. Os outros três longas já nasceram mortos. Casos perdidos.
"De Passagem" conta a história de três jovens negros criados na periferia de São Paulo: os irmãos Jefferson e Washington e seu amigo Kennedy. A narrativa alterna dois momentos. No presente, Jefferson (Silvio Guindane) é um cadete de escola militar do Rio que chega a São Paulo para reconhecer o cadáver do irmão, morto numa periferia braba, num acerto de contas entre traficantes.
Para ajudá-lo a se locomover numa cidade que não é mais a sua, acompanha-o o amigo Kennedy (Fábio Nepô). Enquanto atravessam a cidade, relembram momentos marcantes da infância, em que se definiram seus caminhos. Começam os flashbacks.
As passagens entre os dois tempos é por vezes demasiado mecânica e desajeitada, e os meninos atores que representam os personagens na infância não estão bem dirigidos. Por fim, há cenas francamente tolas, como a da perseguição dos dois amigos por um misterioso personagem.
A despeito de tudo isso, "De Passagem" demonstra uma vitalidade e um desejo sincero de expressão que o distanciam de "produtos" bem feitinhos e vazios como "Dom", "O Preço da Paz" e "Noite de São João".
Um dos méritos de Ricardo Elias é o de não sucumbir nem ao fetichismo da técnica nem ao naturalismo estrito que domina os diálogos e a encenação dos filmes que tratam da pobreza e da violência entre jovens, na busca descerebrada por "autenticidade".
"De Passagem" não parece ter a intenção de mostrar "a vida como ela é". Seus personagens parecerão talvez ingênuos a alguns. Sua representação do ambiente suburbano poderá ser acusada de artificial. Pouco importa.
As referências do filme parecem ter muito menos a ver com o novo brutalismo do cinema urbano brasileiro do que com o humanismo italiano de um De Sica e o lirismo de um Zurlini.
Isso não impede que a cidade de São Paulo pulse em "De Passagem" com toda a sua inominável feiúra, seus descampados inóspitos, suas vielas escuras, seus becos sombrios, nos quais se decidem diariamente os destinos de jovens como os do filme. É no afeto por eles que se sustenta essa obra bela e imperfeita.
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