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05/09/2003
-
07h12
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo
A cena primou pelo inesperado. Apinhada de gente (6.000 ingressos esgotados), a casa de shows Via Funchal parecia, anteontem, uma igreja evangélica em estado de êxtase coletivo. Mas o púlpito tinha forma de um piano, e quem comandava a catarse de fé era Chris Martin, líder da banda britânica Coldplay, que fazia apresentação única em São Paulo.
Ele próprio parecia incrédulo com a receptividade eloquente de uma platéia amável e generosa que cantava em coro várias das canções de seus dois álbuns. A adesão irrestrita do público ia, desde o início, contando pontos fartos para a construção de um show direto e competente.
Um extraordinário jogo de luzes e projeções, tão simples quanto impressionante, completava a atmosfera, liberando a banda e seu líder da habitual necessidade pop de malabarismos e micagens --esse é o maior trunfo do esquisito Coldplay.
E os jogos e a crença da platéia ajudam a esconder que as canções muitas vezes são banais, que a interpretação de Chris é doce, mas monótona, que as letras nem sempre dizem muita coisa.
Acontece que existe em Chris Martin o misterioso condão do carisma, que se acentua quando as canções são inspiradas, como é caso de "Clocks", "Yellow", "The Scientist", "Politik"...
Sob o manto delas, basta que ele aja com timidez, caia trôpego sobre si próprio, dance em círculo como num ritual indígena --a adoração se dá de imediato.
É o mesmo tipo de magnetismo que no passado rendeu adoração messiânica a artistas como Bob Dylan, Bono Vox, Ian McCulloch, Morrissey e, aqui, Renato Russo.
O que sustenta tudo isso é a fé num tipo de romantismo sôfrego e sofrido, culpado e culposo. O Coldplay faz da melancolia a expiação de suas culpas --e, por extensão, das de seus espectadores. De novo, estamos numa missa.
Mas, pensando bem, talvez seja o contrário do que parece. A arena já antiga do rock'n'roll seria, ela, sim, a fonte de inspiração para a catarse religiosa dos cultos.
Remetidos de volta ao show de rock do Coldplay, o pastor era o ídolo pop, e o termo "Deus" seria, por hora e meia de lapso, substituído pela palavra "música", de igual teor de abstração.
Era, então, lindo e emocionante e inesquecível o que estava acontecendo. Pena que o cimento entre o público e seu senhor fosse feito de culpa e de isolamento ("nós temos vivido a vida numa bolha", canta o Coldplay), não de prazer e de hedonismo.
Avaliação:
Crítica: Coldplay promove catarse religiosa em São Paulo
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da Folha de S.Paulo
A cena primou pelo inesperado. Apinhada de gente (6.000 ingressos esgotados), a casa de shows Via Funchal parecia, anteontem, uma igreja evangélica em estado de êxtase coletivo. Mas o púlpito tinha forma de um piano, e quem comandava a catarse de fé era Chris Martin, líder da banda britânica Coldplay, que fazia apresentação única em São Paulo.
Ele próprio parecia incrédulo com a receptividade eloquente de uma platéia amável e generosa que cantava em coro várias das canções de seus dois álbuns. A adesão irrestrita do público ia, desde o início, contando pontos fartos para a construção de um show direto e competente.
Um extraordinário jogo de luzes e projeções, tão simples quanto impressionante, completava a atmosfera, liberando a banda e seu líder da habitual necessidade pop de malabarismos e micagens --esse é o maior trunfo do esquisito Coldplay.
E os jogos e a crença da platéia ajudam a esconder que as canções muitas vezes são banais, que a interpretação de Chris é doce, mas monótona, que as letras nem sempre dizem muita coisa.
Acontece que existe em Chris Martin o misterioso condão do carisma, que se acentua quando as canções são inspiradas, como é caso de "Clocks", "Yellow", "The Scientist", "Politik"...
Sob o manto delas, basta que ele aja com timidez, caia trôpego sobre si próprio, dance em círculo como num ritual indígena --a adoração se dá de imediato.
É o mesmo tipo de magnetismo que no passado rendeu adoração messiânica a artistas como Bob Dylan, Bono Vox, Ian McCulloch, Morrissey e, aqui, Renato Russo.
O que sustenta tudo isso é a fé num tipo de romantismo sôfrego e sofrido, culpado e culposo. O Coldplay faz da melancolia a expiação de suas culpas --e, por extensão, das de seus espectadores. De novo, estamos numa missa.
Mas, pensando bem, talvez seja o contrário do que parece. A arena já antiga do rock'n'roll seria, ela, sim, a fonte de inspiração para a catarse religiosa dos cultos.
Remetidos de volta ao show de rock do Coldplay, o pastor era o ídolo pop, e o termo "Deus" seria, por hora e meia de lapso, substituído pela palavra "música", de igual teor de abstração.
Era, então, lindo e emocionante e inesquecível o que estava acontecendo. Pena que o cimento entre o público e seu senhor fosse feito de culpa e de isolamento ("nós temos vivido a vida numa bolha", canta o Coldplay), não de prazer e de hedonismo.
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