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16/09/2003
-
03h22
MARCELO RUBENS PAIVA
articulista da Folha
Em 26 de setembro de 1976, em Buenos Aires, a casa de Mario Cáceres e Victoria Julien --casal de uruguaios exilados na Argentina-- foi rapidamente cercada. O pai escondeu os filhos Anatole, 4, e Vicky, 1, numa banheira coberta pela cortina.
A mãe é alvejada, arrasta-se até a esquina, onde recebe o tiro de misericórdia. O pai é metralhado no banheiro. As crianças são descobertas. Entram na lista das muitas crianças desaparecidas em regimes militares do Cone Sul.
A família do casal procura em vão. O desfecho da história se dá três anos depois: o grupo brasileiro Clamor recebeu informações de que duas crianças com sotaque uruguaio e roupas argentinas foram abandonadas numa praça em Valparaíso, Chile, recolhidas por uma assistente social e, depois, adotadas por um dentista.
Atrás da informação --em viagens secretas em pleno regime Pinochet-- e checando fotos, constatou-se: eram Anatole e Vicky.
Este é um dos muitos feitos emocionantes do Clamor, cuja história é resgatada no livro "Clamor - A Vitória de uma Conspiração Brasileira", do jornalista Samarone Lima, 34. Contrapondo-se à Operação Condor (manobra que uniu as polícias políticas do Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile e Argentina), o Clamor foi criado há 25 anos, em São Paulo, sob as asas de d. Paulo Evaristo Arns.
"Tudo começou numa sala pequena da Cúria Metropolitana, de uma forma discreta e tensa. Eram histórias íntimas, trágicas e sussurradas. Era preciso estar com o espírito forte, ser solidário." Segundo prefaciou Arns, "sabíamos que os militares de alguns países da América Latina estavam em constante comunicação entre si, e nós aqui, consequentemente, em constante perigo de prisão."
A abertura política no Brasil, em contraste com o recrudescimento dos regimes nos outros países, fez com que o grupo se transformasse num ponto de referência entre refugiados do Cone Sul. Recebeu ajuda financeira do Conselho Mundial das Igrejas, em remessas clandestinas, e foi fundado pela jornalista inglesa Jan Rocha, pelo pastor Jaime Wright, morto em 99, e pelo deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).
Greenhalgh anulou em tempo a adoção de Anatole e Vicky. Mas um acordo decidiu deixar as crianças com a família chilena.
O casarão do Clamor, em Higienópolis, era ponto obrigatório de refugiados latino-americanos que chegavam ao Brasil. Histórias de torturas e perseguições eram contadas. Um banco de dados foi organizado. Pais procuravam filhos e vice-versa. Denúncias eram editadas num boletim mensal. (O boletim 4 do Clamor divulgou fotos de quatro crianças: Mariana, 18 meses, Simon, 20 dias, Anatole, 4, Vicky, 1, acompanhadas da pergunta: "Onde elas estão?".)
"Não foi uma ação individual, mas de um grupo grande, especialmente de exilados argentinos e uruguaios. Quando comecei a ouvir as histórias, como as dos campos de detidos, fiquei espantada. Lembravam os campos de concentração nazista", diz Rocha.
"Sabíamos que havia uma colaboração entre as forças de repressão e que a doutrina de segurança nacional era forte entre os países. Não sabíamos que se chamava Operação Condor", completa.
O Clamor se comunicava em código, como "o chocolate chegou" (o dinheiro), e construiu pontes com outros grupos, como as Mães da Praça de Mayo (mães de desaparecidos argentinos).
Outro caso foi a denúncia internacional dos presos políticos mais antigos do Paraguai, Severo Aranda, Virgílio Bareiro e Idalina Acosta (há 14 anos presos, sem direito a julgamento) e a estranha novidade da ditadura uruguaia: prisioneiros políticos eram obrigados a pagar a "hospedagem".
CLAMOR - A VITÓRIA DE UMA CONSPIRAÇÃO BRASILEIRA
Autor: Samarone Lima
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 34,90 (272 págs.)
Livro recupera trajetória do grupo Clamor
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articulista da Folha
Em 26 de setembro de 1976, em Buenos Aires, a casa de Mario Cáceres e Victoria Julien --casal de uruguaios exilados na Argentina-- foi rapidamente cercada. O pai escondeu os filhos Anatole, 4, e Vicky, 1, numa banheira coberta pela cortina.
A mãe é alvejada, arrasta-se até a esquina, onde recebe o tiro de misericórdia. O pai é metralhado no banheiro. As crianças são descobertas. Entram na lista das muitas crianças desaparecidas em regimes militares do Cone Sul.
A família do casal procura em vão. O desfecho da história se dá três anos depois: o grupo brasileiro Clamor recebeu informações de que duas crianças com sotaque uruguaio e roupas argentinas foram abandonadas numa praça em Valparaíso, Chile, recolhidas por uma assistente social e, depois, adotadas por um dentista.
Atrás da informação --em viagens secretas em pleno regime Pinochet-- e checando fotos, constatou-se: eram Anatole e Vicky.
Este é um dos muitos feitos emocionantes do Clamor, cuja história é resgatada no livro "Clamor - A Vitória de uma Conspiração Brasileira", do jornalista Samarone Lima, 34. Contrapondo-se à Operação Condor (manobra que uniu as polícias políticas do Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile e Argentina), o Clamor foi criado há 25 anos, em São Paulo, sob as asas de d. Paulo Evaristo Arns.
"Tudo começou numa sala pequena da Cúria Metropolitana, de uma forma discreta e tensa. Eram histórias íntimas, trágicas e sussurradas. Era preciso estar com o espírito forte, ser solidário." Segundo prefaciou Arns, "sabíamos que os militares de alguns países da América Latina estavam em constante comunicação entre si, e nós aqui, consequentemente, em constante perigo de prisão."
A abertura política no Brasil, em contraste com o recrudescimento dos regimes nos outros países, fez com que o grupo se transformasse num ponto de referência entre refugiados do Cone Sul. Recebeu ajuda financeira do Conselho Mundial das Igrejas, em remessas clandestinas, e foi fundado pela jornalista inglesa Jan Rocha, pelo pastor Jaime Wright, morto em 99, e pelo deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).
Greenhalgh anulou em tempo a adoção de Anatole e Vicky. Mas um acordo decidiu deixar as crianças com a família chilena.
O casarão do Clamor, em Higienópolis, era ponto obrigatório de refugiados latino-americanos que chegavam ao Brasil. Histórias de torturas e perseguições eram contadas. Um banco de dados foi organizado. Pais procuravam filhos e vice-versa. Denúncias eram editadas num boletim mensal. (O boletim 4 do Clamor divulgou fotos de quatro crianças: Mariana, 18 meses, Simon, 20 dias, Anatole, 4, Vicky, 1, acompanhadas da pergunta: "Onde elas estão?".)
"Não foi uma ação individual, mas de um grupo grande, especialmente de exilados argentinos e uruguaios. Quando comecei a ouvir as histórias, como as dos campos de detidos, fiquei espantada. Lembravam os campos de concentração nazista", diz Rocha.
"Sabíamos que havia uma colaboração entre as forças de repressão e que a doutrina de segurança nacional era forte entre os países. Não sabíamos que se chamava Operação Condor", completa.
O Clamor se comunicava em código, como "o chocolate chegou" (o dinheiro), e construiu pontes com outros grupos, como as Mães da Praça de Mayo (mães de desaparecidos argentinos).
Outro caso foi a denúncia internacional dos presos políticos mais antigos do Paraguai, Severo Aranda, Virgílio Bareiro e Idalina Acosta (há 14 anos presos, sem direito a julgamento) e a estranha novidade da ditadura uruguaia: prisioneiros políticos eram obrigados a pagar a "hospedagem".
CLAMOR - A VITÓRIA DE UMA CONSPIRAÇÃO BRASILEIRA
Autor: Samarone Lima
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 34,90 (272 págs.)
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