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20/09/2003 - 06h45

Análise: Gugu se viu em uma pegadona

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MARCELO COELHO
Colunista da Folha de S.Paulo

No mundo das "pegadinhas", brinca-se com a credulidade do pedestre, do cidadão, do otário comum: a pessoa passa vexame, leva susto, sofre humilhação, e tudo fica por isso mesmo. Às vezes, não é um otário real. Atores são contratados para fazer o papel de transeunte e de iludido.

Em casa, o espectador se diverte de qualquer modo: sente-se aliviado da própria credulidade, de sua própria condição de otário. Rindo ou duvidando dos bate-bocas de mentira e das reportagens fajutas, o espectador leva a sério (talvez) as pílulas de emagrecimento, os cosméticos milagrosos e as ofertas do patrocinador.

Será que alguém levou a sério a entrevista com supostos membros do PCC no programa do Gugu? Dois tipos encapuzados, dizendo-se membros da organização criminosa, ameaçavam sequestrar o padre Marcelo e algumas celebridades da televisão.

Depois de tantas pegadinhas, Gugu se envolveu numa pegadona. Os ameaçados pela entrevista ofenderam-se profundamente. De apresentadores, tornaram-se vítimas, ou figurantes, numa reportagem de mau gosto comparável às que costumam fazer.

Atacaram Gugu. Inventar tudo isso apenas para ganhar ibope! Que escândalo! Isso não se faz! Que baixo nível! As críticas vieram no costumeiro tom de denúncia estertorante. Trata-se de sensacionalismo também, é claro.

Um dos apresentadores entrevistou um "autêntico" membro do PCC, que negou o plano de sequestrar o padre Marcelo, já que "o PCC também gosta de Deus".

Gugu, por sua vez, disse que estava arrependido. No programa da Hebe, desculpou-se aos colegas, por quem tem respeito e amizade. Perguntou quem jamais cometeu erros. Não conseguiu chorar de arrependimento, embora as câmeras torcessem para isso.

Hebe chorou em seu lugar. E deu um conselho para Gugu: que ele não se preocupasse tanto com a audiência, com o ibope.

A farsa vem em camadas infinitas. A credulidade do espectador é sempre o pressuposto de tudo. O arrependimento de um, a indignação de outro, a ameaça daquele e o conselho desta última não são para valer. E todos sabem disso, até o espectador, que não se importa, imagino, com a veracidade de coisa nenhuma.

A reportagem verídica que vem com fundo musical, ameaças tonitruantes e indignações de araque não pretendem coisa diferente do que a reportagem forjada, apresentada com ar sério de bom moço na quermesse de domingo. Tudo se resume à guerra por audiência, e ninguém se preocupa em esconder essa motivação.

Se o cinismo geral arranja um tom de súbita autocrítica, é porque na guerra por audiência todos pareceram a ponto de se entredevorar. E talvez seja essa a única coisa verdadeira em todo o episódio. Em meio à crise no setor, parece ser aspiração básica de cada emissora a de eliminar os seus rivais, como as facções que disputam o controle de uma favela.

No submundo da TV, o sequestro faz-de-conta é símbolo de todo o festival de mentira e violência que cotidianamente é encenado sob o nome de --não sei bem-- entretenimento, notícia, denúncia, diversão.
 

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