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09/10/2003 - 07h46

"Três Versões da Vida" conjuga astrofísica e crise de relações

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

"O que importa é a impressão de sala de estar", observa a dramaturga francesa Yasmina Reza, 43, logo na primeira rubrica de "Três Versões da Vida" ("Trois Versions de la Vie", 2000).

Primeiras, segundas, terceiras, as impressões vão e vêm na comédia que ganha primeira montagem em São Paulo. Abre com a cena típica da família classe média. O filho chora no quarto. Na sala, o casal Sônia e Henrique se entedia com as razões sobre comer biscoito na cama ou não para acudir (ou não) o garoto.

Essa impressão sobre cenas de um casamento infeliz sucumbe assim que Humberto e Inês tocam a campainha. Visita surpresa que vai embaralhar todas as impressões de uma noite sideral.

O texto caiu nas mãos do ator Marco Ricca (Henrique), que logo tratou de arregimentar o elenco com tino de comediante: Denise Fraga (Sônia), Ilana Kaplan (Inês) e Mario Schöemberger (Humberto). Eles são dirigidos por Elias Andreato, em temporada que segue até o final do ano.

Reza costura três versões desse encontro na sala de estar de Sônia e Henrique. Este é um astrofísico, assistente de pesquisa num instituto. Está prestes a publicar um texto revelador sobre o achatamento dos halos galácticos.

Segundo o dicionário "Aurélio", halos é uma "designação comum a uma grande variedade de meteoros luminosos constituídos de círculos ou arcos de círculos brilhantes, tendo por centro o Sol ou a Lua, e causados pela reflexão ou refração da luz solar ou lunar em cristais de gelo em suspensão na atmosfera terrestre".

Mas cosmologia não será a tônica dominante. As teses sobre o universo servem de pano de fundo para descer aos assuntos mais comezinhos da vida a dois. "A peça é extremamente simples. Galileu [Galilei, astrônomo e físico italiano, 1564-1662] já dizia que pensar é um dos maiores prazeres da raça humana. Yasmina levou isso a sério", afirma Andreato, 48.

"Impressiona como ela brinca com esses conhecimentos adquiridos, mas também revela o cotidiano que não vemos, as coisas ocultas, o jogo social armado, o escamoteamento da verdade."

Sônia e Henrique formam um casal de classe média. O sonho dele é ascender profissional e socialmente. Ela, advogada inativa, reclama outras ambições.

Inês e Humberto pertencem a uma classe social mais estabelecida. Ele é um renomado cientista-pesquisador de um laboratório, referência na astrofísica. Inês, dona-de-casa. Desde a postura dos pais para com a criança "mimada" que segue chorando, passando pela sugestão de traição e da correlação de forças entre Sônia e Humberto, são muitas as pistas deixadas por Reza.

O que se fala numa primeira versão da história é modificado ou subtraído na segunda, e assim também na terceira, de modo que as situações e os personagens, após alguns goles a mais, vão ganhar leitura mais consistente quando o espetáculo chegar ao final e o espectador levar para casa o mosaico que montou.

As mulheres de Reza jogam por igual com os homens. Estão lá os disparates machistas, replicados com inteligência e sarcasmo. Inês, a personagem de Ilana Kaplan, talvez a mais subestimada, sai-se com a seguinte fala, deixando a todos boquiaberto:

"Olha, pelo que me diz respeito --e, já que devo ter bebido tanto quanto você, Henrique, lá vai--, eu não concordo de jeito nenhum. Você provavelmente vai dar risada, mas e daí? O meu marido cai na gargalhada ou suspira toda vez que eu abro a boca --a nossa relação tá indo pro ralo, pra que ficar escondendo? Bom, eu não concordo que o homem seja uma parte tão insignificante do universo. O que seria do universo sem a gente? Um lugar deprimente e escuro, sem um pingo de poesia. É a gente que dá nome pra ele, a gente, o ser humano, é a gente que concebe esse labirinto cheio de buraco negro e estrela morta, com o infinito, a eternidade, as coisas que ninguém consegue ver, é a gente que faz do universo essa vertigem". "Inumilhável", como brincam entre eles, que fazem do senso de (des)proporção a nova ordem nas relações.

Não importa qualquer lógica, psicologismo. "Nisso, a peça se parece muito com a nossa profissão. No teatro, estamos há séculos discutindo o ser humano com a mesma intensidade de um astrônomo diante de um telescópio, tentando descobrir os segredos do universo. Só que o nosso é o interno", diz Andreato.

TRÊS VERSÕES DA VIDA
De:
Yasmina Reza
Tradução: Mário Vilela
Direção: Elias Andreato
Com: Denise Fraga, Marco Ricca, Mario Schöemberger e Ilana Kaplan
Onde: teatro Renaissance (al. Santos, 2.233, Cerqueira César, tel. 3123-1751)
Quando: estréia hoje, para convidados; sex., às 21h30; sáb., às 21h; e dom., às 19h
Quanto: R$ 40 e R$ 50 (sáb.). Até 21/12
 

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