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10/10/2003 - 07h00

Amos Gitai mostra dores de conflito que dispensa juízes

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INÁCIO ARAUJO
crítico da Folha

Vivemos apontando nosso dedo aos israelenses ou aos palestinos --aos dois, eventualmente--, responsabilizando-os por mortes, conflitos, destruição no Oriente Médio.

Com que direito fazem isso os ocidentais, os góis (não-judeus)? --essa indagação "Kedma" sugere com insistência. Que sabemos dos judeus, à parte o fato de nós os termos difamado, discriminado, expulsado, incinerado? Que sabemos dos árabes, a não ser o que chamamos de sua barbárie (na verdade, sua civilização), seu fanatismo (na verdade, sua crença), sua natureza intempestiva (na verdade, seu desespero)?

Bem, esses povos que conhecemos muito mal, pelo viés arraigado do preconceito, estão hoje no centro do mundo, isto é, no Oriente Médio, como protagonistas do conflito mais duradouro e dilacerante da época atual.

"Kedma" não dá conta da inteira complexidade desse conflito, mas sua riqueza talvez ajude a todos (árabes e judeus inclusive) a nos recolher a uma necessária humildade, ao tratar desse assunto.

Podemos pensar na última cena, em que um personagem constata que os judeus não têm história, ou antes, que sua história é escrita pelos outros.

No entanto, a cena emblemática é aquela, bem mais simples, em que vemos o Kedma --o navio que traz o grupo de refugiados para uma Palestina ainda sob mandato britânico. Plano sem personagens. Plano sem movimento: apenas o Kedma no mar, atracado, a errância formidável do povo judeu em busca de um lugar.

Mas eis que o lugar a que chega o Kedma, a Palestina, é também dos árabes. O que lança o povo judeu numa aventura de expulsar os palestinos para constituir o seu solo e a sua história.

Há outro momento em que um personagem lembra sua fuga do Gueto de Varsóvia e como tentava explicar aos que encontrava que era uma pessoa igual a elas, só. A cena soa irônica agora que Israel constrói um muro para se isolar dos árabes --um muro que não separa pessoas diferentes, e sim que as torna diferentes.

Mas quem são os gentios para meter o bedelho? Afinal é o que nos diz Amos Gitai, filme após filme: as mazelas são muitas, mas que ninguém imagine que a paz virá imposta de fora para dentro.

Trata-se de uma história sórdida, dolorosa, que dispensa juízes externos. Que pede, no entanto, gente disposta a compreendê-la --e a isso "Kedma" nos ajuda. Isso para não falar da beleza deste filme admirável.

Avaliação:

Kedma
Direção:
Amos Gitai
Produção: Israel, 2002
Com: Andrei Kashkar e Helena Yaralova
Quando: a partir de hoje no cine Espaço Unibanco 2
 

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