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17/08/2000 - 19h23

"Eu Tu Eles": "Gostei mais do Zé. Ele era bonito e forte"

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MARCELO BARTOLOMEI
enviado especial a Morada Nova (CE)

Marlene Sabóia, a mulher que inspirou o roteiro do filme "Eu Tu Eles", disse à Folha Online que gostou mais do seu terceiro "marido", o Zé. "Ele era bonito e forte", afirmou. Segundo ela, todos os maridos se completavam. Acompanhe o segundo trecho da entrevista.

Folha Online - Mas viveram bem até quando?
Marlene -
Depois de tudo isso e mais um tempo, a mãe do Chico, que é primo do Oscar, morreu. Oscar disse pra mim que o Chico ia ficar sozinho e desamparado e eu disse que não tínhamos o que fazer. Eu morar mais ele que não ia. - Não tem jeito, eu vou buscar ele, disse o Oscar. O Chico não quis vir, de começo. Um rapaz lá disse que não dava um mês que eu botaria ele para fora. Mas eu não boto não. Se ele não brigasse com o Oscar estava bom. Ele entrou aqui em 28 de fevereiro de 80.

Folha Online - Queria saber como foi o casamento...
Marlene -
Casei dia 23 de setembro de 72 com o Oscar. Oito anos já vivia com o Oscar. Daí passou um tempo e a gente vivia bem, não tinha desavença entre nós, éramos amigos. Aí teve um dia eu tive muita pena do Chico, porque ele me ajudava, trabalhava na casa e não tinha mulher. Daí eu fiquei com o Chico. Aí eu engravidei do Chico.

Folha Online - Antes a sra. nunca tinha pensado nisso?
Marlene -
Nunca. Tive um filho dele dizendo que era seu filho mesmo. Mas ele não queria que o menino fosse dele. Ele gostava do preto (Erasmo, 20, filho fora do casamento) e queria ele de filho. E o Oscar ficava na dele, quieto. Eu tive o preto num dia que ele me botou pra fora de casa. Daí eu fiquei com um homem aí de fora. O Oscar sempre, toda vida, foi ruim. E eu já estava querendo ir embora. Eu fui sempre estragada. Ele não tinha condições de me dar o que eu queria. Brigamos muito. Mas ele nunca brigou com o Chico.

Folha Online - E como foi que o terceiro marido entrou na história?
Marlene -
Daí chegou o Zé, foi em 85. Eu nunca fiz nada encoberto, todos eles sabiam. Nunca brigaram, ele e o Chico, ele e o Oscar. Ele começou a matar gado. Zé começou a trabalhar comigo na roça e eu ajudava ele. Um dia ele me disse que não tinha para onde ir. E eu ofereci para ele ficar lá em casa para dormir enquanto não se arrumava. Mas eu nem tinha a intenção de ficar com ele desta vez. Quando foi um dia, sem menos esperar, eu estava aqui com minhas duas filhas pequenas, e ele chegou com a mala na mão. E ele ficou lá fora esperando Oscar chegar, conversando com as meninas. Elas chegaram para o pai e disseram que o homem gostaria de dormir lá, mas que eu pedi que ele autorizasse. De tarde, ele pegou o dinheiro do ganho do trabalho e comprou em bolachas, pipoquinhas e doces para as meninas, que acharam ele bom. Eu disse pro Oscar que deixasse ele aqui. E nisso se passaram 12 anos. Ele entrou em casa no dia 8 de dezembro de 85. Ficou até dia 24 de agosto de 97.

Folha Online - E como era a convivência?
Marlene -
Acredite que eles nunca chegaram a discutir por causa de mim, às vezes havia uma desavença fraca, mas entre eles.

Folha Online - Que tipo de desentendimento?
Marlene -
Desentendiam-se porque qualquer coisa o Oscar queria ser, como de fato ainda hoje é o dono, mas o Zé queria brigar mais alto que ele. Nunca brigaram por mim, graças a Deus. O Zé foi embora e o Chico continua o mesmo, tranquilo. Que nem chega na boca do povo: - Ah, o Oscar se matou por causa da Marlene! O Oscar mais o Chico brigaram por causa da Marlene. Esse povo fala de mais. Quando eles estão conversando demais eu digo "Rapaz deixa disso que a vida é minha! Quem manda na minha vida é Deus e eu. Vivo do jeito que eu quiser viver.

Folha Online - E como o povo daqui vê tudo isso?
Marlene -
A mim nunca disseram nada. Quando o Chico entrou, ninguém reclamou porque ele era primo do Oscar. A família dele não quis ele. Só a Marlene, que é doida, que aceita um velho destes na casa dele. Quando o Zé entrou, ele era mais novo, também comentaram, mas eu fui e disse: "A casa é minha, o Oscar deixou ele ficar, e daí? Quem estiver achando ruim...". Agora tem umas que querem ser mais que eu, não nego minha vida para ninguém. Logo que casei com meu marido disse tudo que eu fazia para ele. Foi ele quem quis.

Folha Online - Por que o Zé foi embora?
Marlene -
Ele foi embora porque ele estava absoluto. Era um cara novo, 33 anos, para os meus olhos, o mais bonito. Para os outros eu não sei. Não tenho foto dele porque os meninos rasgaram um jornal que eu tinha aqui. Nós tínhamos uma conta grande aqui no mercantil (mercearia). O Nelson (primo do Oscar e dono do mercado) cobrou a gente. E o Oscar tinha um dinheiro para receber e não saía. A gente não tinha dinheiro, mas ele ofereceu vender e depois que saísse o dinheiro a gente pagava.

Folha Online - Compravam o quê?
Marlene -
Arroz, macarrão, carne. Farmácia, muita coisa. O Oscar me perguntou o que eu fazia. Não tinha gado para vender naquela hora. Por que não vende a casa que tu tens lá longe e que a gente nem lá vai? Mas daí o Nelson me parou na rua um dia e disse que o Oscar disse para ele que não ia pagar a conta porque eu tinha dado de comer para os meus machos, e que a conta não era dele. Daí o Nelson levou a história para a delegacia. Chegou a intimação aqui para o Oscar pagar a conta. Eu não tenho medo de nada, de coronel, de nada.

Folha Online - Mas o sr. Oscar tinha dito isso mesmo?
Marlene -
Tinha, e diz até hoje. Daí fomos na audiência, eu, o Oscar e o Nelson. O juiz me perguntou se era verdade que eu tinha pedido para intimar o Oscar? E eu disse que sim, porque ele estava espalhando por aí que eu havia comprado comida para meus três machos e que quem devia era eu. E ele perguntou: - A sra. tem mesmo três machos? E eu disse que sim, tenho três maridos dentro de casa. Ele disse ao Oscar que eu não estava mentindo, falava tudo, e comentou também que o Oscar não tinha dinheiro para pagar o Nelson, mas tinha para comprar boi, que ele estava fazendo. Mandou o Oscar assinar uma promissória, e eu disse para ele não assinar. E teve que pagar, e vendeu a casa. A gente só vai vender o chão. A casa eu queria: os tijolos, as telhas, as coisas que tinha dentro. A gente ia usar para fazer a casa da minha filha que ia casar.

Folha Online - Mas e o Zé?
Marlene -
Vendemos a casa para o Nelson e o carro veio tirar nossas coisas. Quando chegamos na rua meu filho mais velho disse que não tinha dinheiro para comprar cana (aguardente). Comprei tudo de comida e mais a cana para o Zé e para três dos meus meninos. O Zé bebeu uma bicada para o menino e bebeu todo o resto da cana. Estava caindo. Na hora de jantar, colocamos 11 pratos na mesa. O Zé não vinha, estava no quarto. Levei a comida para ele e a minha também e depois fomos para a mesa. No fim da comida, deu um estarrecido nele e ele sujou-se todo de catarro. Eu pensei que ele fosse se limpar no mato, mas ele se virou para mim e esfregou na minha cara. Eu perguntei o que era aquilo e ele me disse: - O que você queria era isso! Daí eu disse que eu queria mais coisa, que queria que ele se levantasse, tomasse água e fosse embora. E não deu trabalho. Pegou um dinheiro e foi embora. Olhou para trás lá do alto e foi mesmo. Eu disse que quando quisesse voltar ele podia e se precisasse de comida eu ia deixar ordem para venderem para ele, menos cana. Quando foi 3h da madrugada ele voltou e entrou. Ficou bravo porque achou as coisas dele desarrumadas. De manhãzinha, ele tomou café e lavou o rosto. Saiu e convidou o Nelson para comprar o porco que ele tinha no chiqueiro. Ele estava vendendo o porco. Eu perguntei se ele ia embora e ele disse que ia mesmo. Não volte atrás de mim mais, eu disse.

Folha Online - A sra. nunca mais viu ele?
Marlene -
Quando chegou no Nelson ele escreveu num pé de jucá (árvore típica da região): "José Eduardo Barbosa vai-se embora no dia 24 de agosto de 97". Ainda está escrito lá. Com este negócio do filme, quiseram que eu fosse atrás dele, mas eu não fui, porque vai saber se ele está morto, se vai me dar bronca. Deixa estar.

Folha Online - A sra. guarda mágoa dele?
Marlene -
Não, não tenho mágoa dele. Eu gastei R$ 80 com ele em Fortaleza quando ele brigou com meu menino. Eu tinha medo do menino e ele tomarem um porre, se encontrarem e se matarem. Eles se implicaram num baile e o Erasmo jogou uma pedra no Zé. O Zé mandava eu dar surra de cinturão no Erasmo. Eles não se davam bem. O Zé voltou todo ensanguentado no salão. E a polícia esteve por lá. A polícia levou o Zé até mim e perguntou se eu era amante dele. Eu disse que sim e que eu ia cuidar dele de manhã. E eu dancei lá dentro até que minha sobrinha disse que ele estava morrendo, estava gelado e desmaiado. Mandei comprar uma vela para ele. A polícia tinha dito que se o Zé morresse eu ia preso, e meu filho também. Daí depois de 45 dias ele veio embora para casa, não falava com o menino, nem o menino com ele. O Oscar às vezes insultava o rapaz, falava que ele tinha cabelo de pipoca, porque ele tinha um cabelo louro, mas não era por mal. O Zé quando bebia até falava que podia um dia matar o Oscar. Ele falava em matar "uma praga destas". Mas eu pedi que ele não fizesse nunca isso porque quem iria presa era eu. Não sei se ele ainda estivesse aqui se ainda estaria tudo em paz. Quanto mais velho ele ia ficando, mais cana ia bebendo, mas eu digo que ainda estaria muito trabalhador. Ele fez um quarto isolado da casa e depois que ele saiu eu fechei a entrada dele e abri no meu quarto. Eu vivo nesta vida, mas não me maldigo.

Folha Online - De quem a sra. mais gostou?
Marlene -
Do Zé. Não tenho dúvida. Ele era bonito, forte.

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