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21/10/2003 - 08h31

Mostra reafirma papel de Lygia Pape na cena nacional

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FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo

A imagem é estonteante: 365 pequenas figuras geométricas em madeira, construídas em formatos variados, apenas em preto, branco e cinza, recobrem a imensa parede branca dos fundos da galeria André Millan. De certa forma, tal obra, "Noite e Dia", resume os 50 anos da carreira de Lygia Pape, que abre hoje mostra individual na galeria paulistana.

Com rigor construtivista, "Noite e Dia" remete ao início da carreira de Pape e de seu envolvimento no movimento concreto, nos anos 50, mas, ao romper o suporte tradicional, se relaciona também ao movimento neoconcreto, do qual a artista é uma das fundadoras, em 1959.

A obra "Noite e Dia", que dá título à exposição, é também chamada "Livro da Luz" e foi pensada em 1963, faz parte da série de livros --"Livro da Criação" (1959/ 60), "Livro do Tempo" (1960/61) e "Livro da Arquitetura" (1959/ 60)-- que Pape criou ao longo de sua carreira. Apenas agora, 40 anos depois, a obra ficou pronta. "Tenho uma ligação muito forte com a literatura. Dos livros que fiz, esse é o que tenho mais liberdade. Ao contrário do "Livro da Criação", para o qual eu criava uma peça por dia, para esse eu comecei e parei várias vezes. Mas, desde o início, ele já estava na minha cabeça e eu sabia exatamente como iria ficar", diz, por telefone, de sua casa no Rio.

Com um forte resfriado, a artista não vem participar da abertura da mostra, para a qual selecionou trabalhos de suas diferentes fases. Na entrada da galeria, um conjunto de "Amazoninos" vermelhos, de 1989, mas nunca expostos por completo, dão conta da liberdade de Pape em questionar a materialidade. "Procuro explorar a ambivalência dos materiais. Nos "Amazoninos", feitos em ferro, faço um contraponto a eles, expondo ao seu lado outra obra feita com urucum."

Pape é uma precursora da liberdade de trabalhar com materiais diversos, tão comum na arte contemporânea. "Desde o neoconcretismo, sempre pensamos muito na capacidade de invenção de linguagem, o que nos dava uma liberdade muito grande. Mas eu conquistei essa liberdade, pois nunca me impus limites", afirma.

O envolvimento do espectador é outra característica de sua produção desde o neoconcretismo. Nas palavras dela: "Quando busco questionar as propriedades do ferro, isso cria uma situação original e produz naturezas próprias. Assim, ao transgredir os materiais provoco uma relação diferente do olhar sobre o trabalho e aí envolvo o espectador, pois faço ele ficar impregnado da obra. No caso dos "Amazoninos", isso ocorre pela surpresa gerada no observador".

A diversidade de suportes na mostra atesta para essa capacidade de liberdade da artista. Estão lá, por exemplo, desde uma série inédita de gravuras em papel japonês, de 1967, conjunto do início da carreira de Pape, até o back-light de 1968, "Língua Apunhalada", a foto de uma língua esfaqueada, um contundente comentário sobre o regime militar de 64. "Nessa obra, estou falando da censura. Há também duas colunas de jornais, o meio de ter acesso à informação, mas que, naquela época, era uma informação cortada, e é como se eu estivesse cortando a língua das pessoas", explica ela, que não gosta de admitir sua idade. "Isso seria um limitador, e quero me sentir viva."

Além da exposição na galeria André Millan, Pape está em cartaz na 4ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, com uma grande instalação, "DNA", na qual dispõe diversas bacias brancas, cheias de líquido vermelho como sangue, sobre porções de arroz e feijão. Está lá também o rigor construtivo da artista, marca sem dúvida constante na produção brasileira, como buscou exemplificar Gerardo Mosqueira, com a mostra "Panorama", em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Mas também está lá a crítica social e a abertura para a participação do espectador, que Pape ajudou a germinar na produção nacional.

NOITE E DIA - Mostra da artista plástica Lygia Pape, que comemora 50 anos da carreira
Onde: galeria André Millan (r. Rio Preto, 63, SP, tel. 0/xx/11/3062-5722)
Quando: abertura hoje, 19h; de seg. a sex., das 10h às19h; sáb., das 11h às 17h. Até 14/11
Quanto: entrada franca, obras de R$ 5 mil a R$ 15 mil
 

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