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11/08/2001 - 08h50

Pierucci dosa teoria e prática em "enciclopédia de bolso"

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LUIZ MOTT
Especial para a Folha de S.Paulo

"A Magia" é um daqueles livros que a gente começa a ler e só larga duas ou três horas depois, ao chegar à última página. O assunto é fascinante, o estilo coloquial do autor cativa, o concatenado dos capítulos, perfeito. Diga-me o leitor se não suspeita que seu autor, Antônio Flávio Pierucci, doutor em sociologia da USP, deve ser, subrepticiamente, fino mestre feiticeiro, lançando mão de algum sortilégio para que a gente fique tão enfeitiçado por sua obra!

Divulgação
"A Magia", da Publifolha
Livro apresenta visão antropológica de como a magia é encarada

Seja para quem nunca leu nada mais sistemático sobre magia, seja para quantos têm leitura pontual sobre complexos mágicos específicos, "A Magia" é uma espécie de enciclopédia de bolso sobre tema tão antigo e cada vez mais atual, uma utilíssima mão na roda para aprendizes e mestres.

De forma didática e precisa, com bibliografia rica e atualizada, distingue claramente magia de religião; conceitua e diferencia com precisão magia espontânea e magia profissional; explica o porquê da magia e as suas leis; compara-a, distinguindo-a da feitiçaria; critica o mecanicismo evolucionista que metia num gradiente unilinear magia, religião e ciência como fases sucessivas do progresso do pensamento humano universal.

Pierucci inicia pontuando a onipresença da magia no mundo contemporâneo, pinçando inumeráveis e prosaicos gestos mágicos no nosso dia-a-dia, como a leitura cotidiana do horóscopo, as três batidinhas na madeira para nos isolar de perigos desconhecidos, as medalhinhas, patuás e santinhos de santo Expedito que muitos carregam na carteira etc., etc.

Detecta três atitudes básicas perante o fenômeno mágico: a crença no carisma e em seu poder extraordinário, o ceticismo e a semi-crença; esta última, sintetizada no aforismo popular: "Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay!".

Nesta obra estão dosadas, com maestria, a teoria e a prática mágicas: de um lado, a síntese do pensamento dos principais autores que estudaram este fenômeno, de Cícero, Durkheim, Max Weber, Mauss, Frazer e Freud, a Bourdieu, Malinowsky, Delumeau, Evans-Pritchard, Leach e Levi-Strauss, ilustrando com matéria prima nacional extraída, entre outros, dos trabalhos de Laura de Mello e Souza, Reginaldo Prandi, Yvonne Maggie.

Do outro lado, Pierucci compila, de forma enciclopédica, informação etnográfica sobre as principais manifestações de magia, feitiçaria e espiritualidades quejandas, dissecando-as, comparando-as, distinguindo-as.

Ainda mais: transcreve, aqui e acolá, textos originais de rezas fortes, benzeduras para curar achaques, receitas de "trabalhos" e catimbós.

Enfim, tudo o que um simples aprendiz de feiticeiro e também uma bruxa mestre aspiram numa obra introdutória sobre tema tão vasto e complexo.

Enquanto lia "A Magia", me perguntava: qual será a posição pessoal/ideológica do autor, "vis-a-vis" o poder efetivo da magia, posto que em nenhum momento este cientista social desacredita ou desmascara o lado irracional, manipulador, "ópio do povo", da magia e das demais crenças/crendices baseadas nos poderes preternaturais?

Norteado pelo mais escorreito relativismo cultural, em sua conclusão Pierucci parece valorizar mais a magia do que a ciência ou a religião, como tábua de salvação ou "erzats" contra a aflição e o estresse da modernidade: "Ao tornar o mundo mais próximo das nossas próprias mãos, ao deixar os poderes superiores mais acessíveis à nossa própria vontade, a magia delimita, define e aproxima os resultados que promete. Nesse sentido, magia é "empowerment" de foco ajustado, ambição delimitada, parcial. A religião... bem, enquanto a vida eterna não vem, mas em função dela, a religião procura moralizar nossa vida neste mundo... Magia é vontade de poder; religião, vontade de obedecer".

Como ateu militante que fiz da ciência minha religião, só espero que o encantamento dos que acreditam neste "empoderamento" advindo da magia não cumpra a profecia de o feitiço virar contra o próprio feiticeiro...

Luiz Mott é professor de antropologia da Universidade Federal da Bahia e autor de "Dedo de Anjo, Osso de Defunto: Os Restos Mortais na Feitiçaria Afro-Luso-Brasileira", entre outros.

"Folha Explica - A Magia"
Autor: Antônio Flávio Pierucci
Editora: Publifolha
Páginas: 120
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

 

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