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24/10/2003 - 07h34

Yasmina Reza concilia a ciência com o banal em peça

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SERGIO SALVIA COELHO
Crítico da Folha de S.Paulo

Um menino pede biscoito à noite, depois de escovar os dentes, e a maior parte do universo é feita de matéria escura. Conciliar esses dois planos, os caprichos de um menino e os mistérios da astrofísica, é a proeza de "3 Versões da Vida".

Quinta peça da francesa Yasmina Reza, 44, que a consagra definitivamente (sua peça "Arte", montada no Brasil em 1998, já foi traduzida em 25 línguas), o seu segredo é ser uma síntese perfeita de vários gêneros, atendendo a vários tipos de público.

O conflito entre Henrique, depressivo professor de astrofísica que deve se humilhar diante do arrogante colega Humberto, para ser indicado para um cargo, lembra muitas vezes o "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", sem o peso de denúncia do texto de Edward Albee.

A ênfase não está no ideológico, mas no antropológico; a mesma situação banal, um casal recebendo outro e deixando extravasar suas frustrações, é repetida em três versões, permitindo o distanciamento crítico do público.

O banal em cena traz um efeito cômico que remete ao absurdo da "Cantora Careca", de Eugene Ionesco (1912-1994). Mas a lógica permanece, as personagens se mantêm plausíveis e o público acaba se envolvendo no jogo das possibilidades: deve-se resistir aos caprichos do menino sem concessões, negociar, mimar? A esposa de Henrique, Sonia, deve ceder ao adultério para garantir a promoção do marido?

Assim, as mesquinharias cotidianas vão tomando feitio de corpos físicos analisados em laboratório, a emoção individual e a alegoria se completam sem confundir, sem cair no maniqueísmo.

A "mensagem", que pode ser percebida por trás da fábula, é a de que os indivíduos não agem tanto por convicções ideológicas ou pré-disposições psicológicas, mas por opções quase arbitrárias entre as várias possibilidades, a "matéria negra" que permeia cada ação cotidiana. O filho de Henrique (uma voz ouvida em "off") está montando uma "estação espacial", combinação de estação de trem e aeroporto, e isso pode ser entendido como uma metáfora do próprio texto, que permite várias leituras
Com um humor livre da caricatura, mas possibilitando o acesso a qualquer público, o texto pode ter a profundidade que se queira. Nesta montagem, com o pulso seguro da direção de Elias Andreato e um elenco primoroso, o resultado é ótimo seja qual for a expectativa da platéia.

O talento cômico de Ilana Kaplan, que faz a odiosa Inês, esposa de Humberto --que foi feita pela própria autora na estréia em Paris em 2000--, garante o riso sem cair na caricatura fácil. Mário Schoemberger, no papel do astrofísico bem-sucedido Humberto, é odioso sem perder o carisma, e Marco Ricca se faz vulnerável sem cair no piegas.

Denise Fraga, sensual e engraçada, dura e simpática, já criou um público cativo que espera dela pequenas revelações do cotidiano, segundo os personagens que faz na televisão, e ela sempre o faz com enorme inteligência e generosidade.

O preciso jogo de xadrez das marcações, a desenvoltura como são endossadas pelo elenco fazem dessa montagem um raro momento, que prova que comicidade e sutileza, "comercial" e "alternativo" muitas vezes se misturam, como tudo no universo.

Avaliação:

3 Versões da Vida
De: Yasmina Reza
Direção: Elias Andreato
Com: Denise Fraga, Marco Ricca, Ilana Kaplan e Mário Schoemberger
Onde: Teatro Renaissance (al. Santos, 2.233, Cerqueira César, região oeste, tel. 3123-1751)
Quando: sex., às 21h30, sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 21/12
Quanto: R$ 40 (sex. e dom.) e R$ 50 (sáb.)
 

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