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27/10/2003
-
10h29
DENISE MOTA
da Folha de S.Paulo
O título de "Viagem até o Mar" poderia ser "seis homens e um destino". Mas --ao acompanhar a aventura de um punhado de interioranos que decidem atravessar campos e colinas, sob sol e infortúnios, para ver o mar pela primeira vez-- o cineasta Guillermo Casanova, 40, decidiu fazer dessa narrativa um comentário sobre o passado, e não sobre o futuro.
O filme, longa-metragem de estréia do diretor uruguaio, tem apresentação hoje na 27ª Mostra BR de Cinema de São Paulo e é até agora a segunda maior bilheteria deste ano no Uruguai (perde apenas para o infantil norte-americano "Procurando Nemo") depois de levar 80 mil pessoas aos cinemas para assistir à história de um lixeiro, um vendedor de bilhetes de loteria, um coveiro e um capataz, no ocaso da vida e/ou de qualquer tipo de ambição, que aceitam o convite de um amigo, dono de um caminhão, para conhecer o litoral.
Ao motorista e seu séquito de desvalidos se juntam um cão e um desconhecido vindo da capital, que passarão pelo interior do Uruguai e, na definição de Casanova, por um país que existia "antes da miséria econômica e mental" que o atinge.
"Acho que a identificação com o público é com um mundo que havia antes de uma crise advinda de problemas muito graves causados pela globalização, questões que não soubemos administrar. É um encontro nosso com uma maneira de ser que tínhamos. Em que a pobreza era digna, onde havia uma forma de vida que não passava por necessidades de consumo. O que nos aconteceu para que, de uma hora para outra, deixássemos de ter tempo para tudo? É por aí que passa a história", afirma o diretor.
A ação transcorre no início da década de 60, o que ajuda a emprestar ao longa ares de fábula, crescentes à medida que os personagens vão se aproximando da costa. Surgem aí balneários à Califórnia, com garotas usando óculos grandes, rapazes na direção de carros coloridos e crianças saltitantes, pulando corda, jogando água umas nas outras --uma ode a tempos ingênuos.
"Posicionamos a história antes de toda a onda guerrilheira, revolucionária. Antes da ditadura, que nos tirou a possibilidade de tratar de questões ligadas à nacionalidade em bons termos. Foi uma opção que fizemos para resgatar no filme o "ser uruguaio" que existia sem o medo de cair em algum tipo de doutrina."
"Filme de autor"
Depois de tentar ir ao Oscar, no ano passado, com a co-produção argentina-espanhola-uruguaia "Coração de Fogo", o país aposta agora nesse singelo "road movie" rural, co-produzido novamente com a Argentina, na corrida por uma vaga na disputa ao título de melhor filme estrangeiro.
"Se chegarmos lá, ganhamos na loteria, vai ser uma festa nacional", diz Casanova, em tom de brincadeira. "O filme é honesto, sem golpes comerciais ou sentimentais. Fala de algo que não é que não possamos recuperar. Do que trata, sim, é do fato de nos darmos conta do que estamos perdendo", defende.
Sem ousadias técnicas ou narrativas, extremamente simples nas falas, locações e enredo, apoiado no humor que resulta ora da ingenuidade, ora da rabugice de seus personagens, "Viagem até o Mar" custou US$ 500 mil e teve roteiro baseado em conto homônimo de Juan José Morosoli (1899-1957), escritor uruguaio que levou para as páginas de seus escritos costumes, sentimentos e valores do homem do campo de seu país.
"O filme foi apresentado no Festival de Montreal, e lá canadenses e latinos receberam-no muito bem. Ou seja, é uma história que tem algo a dizer, venha você de onde vier, por mais que seja algo tipicamente uruguaio, com personagens muito próprios do país", diz o cineasta.
"'Viagem até o Mar' se aproxima mais do que considero "um filme de autor". Acho que a melhor forma para fazer cinema na América Latina é essa, como se fazia antigamente. A necessidade de mostrar o que se quer dizer é o mais importante, e com relação ao público isso também se sente."
Especial
Veja a programação, sinopses e as notícias da Mostra BR de Cinema de São Paulo
Candidato do Uruguai ao Oscar, "Viagem até o Mar" tem exibição hoje
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da Folha de S.Paulo
O título de "Viagem até o Mar" poderia ser "seis homens e um destino". Mas --ao acompanhar a aventura de um punhado de interioranos que decidem atravessar campos e colinas, sob sol e infortúnios, para ver o mar pela primeira vez-- o cineasta Guillermo Casanova, 40, decidiu fazer dessa narrativa um comentário sobre o passado, e não sobre o futuro.
O filme, longa-metragem de estréia do diretor uruguaio, tem apresentação hoje na 27ª Mostra BR de Cinema de São Paulo e é até agora a segunda maior bilheteria deste ano no Uruguai (perde apenas para o infantil norte-americano "Procurando Nemo") depois de levar 80 mil pessoas aos cinemas para assistir à história de um lixeiro, um vendedor de bilhetes de loteria, um coveiro e um capataz, no ocaso da vida e/ou de qualquer tipo de ambição, que aceitam o convite de um amigo, dono de um caminhão, para conhecer o litoral.
Ao motorista e seu séquito de desvalidos se juntam um cão e um desconhecido vindo da capital, que passarão pelo interior do Uruguai e, na definição de Casanova, por um país que existia "antes da miséria econômica e mental" que o atinge.
"Acho que a identificação com o público é com um mundo que havia antes de uma crise advinda de problemas muito graves causados pela globalização, questões que não soubemos administrar. É um encontro nosso com uma maneira de ser que tínhamos. Em que a pobreza era digna, onde havia uma forma de vida que não passava por necessidades de consumo. O que nos aconteceu para que, de uma hora para outra, deixássemos de ter tempo para tudo? É por aí que passa a história", afirma o diretor.
A ação transcorre no início da década de 60, o que ajuda a emprestar ao longa ares de fábula, crescentes à medida que os personagens vão se aproximando da costa. Surgem aí balneários à Califórnia, com garotas usando óculos grandes, rapazes na direção de carros coloridos e crianças saltitantes, pulando corda, jogando água umas nas outras --uma ode a tempos ingênuos.
"Posicionamos a história antes de toda a onda guerrilheira, revolucionária. Antes da ditadura, que nos tirou a possibilidade de tratar de questões ligadas à nacionalidade em bons termos. Foi uma opção que fizemos para resgatar no filme o "ser uruguaio" que existia sem o medo de cair em algum tipo de doutrina."
"Filme de autor"
Depois de tentar ir ao Oscar, no ano passado, com a co-produção argentina-espanhola-uruguaia "Coração de Fogo", o país aposta agora nesse singelo "road movie" rural, co-produzido novamente com a Argentina, na corrida por uma vaga na disputa ao título de melhor filme estrangeiro.
"Se chegarmos lá, ganhamos na loteria, vai ser uma festa nacional", diz Casanova, em tom de brincadeira. "O filme é honesto, sem golpes comerciais ou sentimentais. Fala de algo que não é que não possamos recuperar. Do que trata, sim, é do fato de nos darmos conta do que estamos perdendo", defende.
Sem ousadias técnicas ou narrativas, extremamente simples nas falas, locações e enredo, apoiado no humor que resulta ora da ingenuidade, ora da rabugice de seus personagens, "Viagem até o Mar" custou US$ 500 mil e teve roteiro baseado em conto homônimo de Juan José Morosoli (1899-1957), escritor uruguaio que levou para as páginas de seus escritos costumes, sentimentos e valores do homem do campo de seu país.
"O filme foi apresentado no Festival de Montreal, e lá canadenses e latinos receberam-no muito bem. Ou seja, é uma história que tem algo a dizer, venha você de onde vier, por mais que seja algo tipicamente uruguaio, com personagens muito próprios do país", diz o cineasta.
"'Viagem até o Mar' se aproxima mais do que considero "um filme de autor". Acho que a melhor forma para fazer cinema na América Latina é essa, como se fazia antigamente. A necessidade de mostrar o que se quer dizer é o mais importante, e com relação ao público isso também se sente."
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