Publicidade
Publicidade
31/10/2003
-
08h29
TIAGO MATA MACHADO
crítico da Folha
Maurice Schérer, vulgo Eric Rohmer (seu pseudônimo), é o grande moralista de uma geração de imoralistas. Severo, mas também irônico, austero, mas também brincalhão, íntegro e solidário, ele era tratado por seus companheiros de nouvelle vague, Truffaut, Godard, Chabrol e Rivette, como um irmão mais velho a quem se podia pedir conselhos e suporte, mas não confessar segredos e dramas pessoais.
Quando a nouvelle vague entrou na moda, no final dos anos 50, o movimento foi de pronto associado ao "mal da juventude" do pós-guerra: o infantilismo, a gratuidade e a descontinuidade do comportamento dos jovens protagonistas daqueles filmes compunham um retrato fiel de uma geração que parecia nascer inteiramente avessa a valores morais.
Foi só tardiamente, a partir do início dos anos 70, que Rohmer se debruçou sobre o tema dos amores-fugazes-estilo-nouvelle-vague. Surge, com as séries "Contos morais" e "Comédias e Provérbios", um novo olhar sobre a juventude. Bem, "novo" talvez não seja a palavra mais adequada: a visão de Rohmer tinha algo de mais antiquada, de mais fiel, para o bem e para o mal, ao espírito dos velhos moralistas franceses.
Em "Pauline na Praia", detendo-se sobre mais uma de suas típicas "raparigas em flor", Rohmer nos conta a história de um aprendizado amoroso: de férias na companhia de Marion, a prima mais velha, Pauline veraneia à procura do amor. Enquanto Pauline procura, Marion, mais atraente e tarimbada, acha: atiça um velho amigo e conquista um etnólogo desconhecido. Para compensar, Rohmer faz sua lição de moral recair, implacavelmente, sobre Marion.
O curioso é que essa lição seja aplicada pelo mais imoral dos personagens, Henri, o etnólogo: nômade que não se prende a lugares nem a pessoas, hedonista e cínico, ele encarna aquilo que Rohmer mais condena no filme, o nomadismo no amor. O cineasta, que é do tipo que se prende a lugares, encontra até mesmo para esse "nomadismo" o seu espaço: a praia, palco preferencial dos "amores de verão".
Rohmer não compactua com os atos e a visão de mundo de Henri e com o imoralismo que consagrou a nouvelle vague, mas faz dele um professor para Pauline, um mestre como os antigos libertinos franceses. Rohmer acaba por fazer do personagem mais imoral o mais forte e completo, tendência que é, paradoxalmente, própria dos maiores autores moralistas.
Avaliação:
Pauline na Praia (Pauline à la Plage)
Produção: França, 1983
Direção: Eric Rohmer
Com: Amanda Langlet, Arielle Dombasle
Quando: a partir de hoje no Top Cine
Rohmer "moraliza" nouvelle vague
Publicidade
crítico da Folha
Maurice Schérer, vulgo Eric Rohmer (seu pseudônimo), é o grande moralista de uma geração de imoralistas. Severo, mas também irônico, austero, mas também brincalhão, íntegro e solidário, ele era tratado por seus companheiros de nouvelle vague, Truffaut, Godard, Chabrol e Rivette, como um irmão mais velho a quem se podia pedir conselhos e suporte, mas não confessar segredos e dramas pessoais.
Quando a nouvelle vague entrou na moda, no final dos anos 50, o movimento foi de pronto associado ao "mal da juventude" do pós-guerra: o infantilismo, a gratuidade e a descontinuidade do comportamento dos jovens protagonistas daqueles filmes compunham um retrato fiel de uma geração que parecia nascer inteiramente avessa a valores morais.
Foi só tardiamente, a partir do início dos anos 70, que Rohmer se debruçou sobre o tema dos amores-fugazes-estilo-nouvelle-vague. Surge, com as séries "Contos morais" e "Comédias e Provérbios", um novo olhar sobre a juventude. Bem, "novo" talvez não seja a palavra mais adequada: a visão de Rohmer tinha algo de mais antiquada, de mais fiel, para o bem e para o mal, ao espírito dos velhos moralistas franceses.
Em "Pauline na Praia", detendo-se sobre mais uma de suas típicas "raparigas em flor", Rohmer nos conta a história de um aprendizado amoroso: de férias na companhia de Marion, a prima mais velha, Pauline veraneia à procura do amor. Enquanto Pauline procura, Marion, mais atraente e tarimbada, acha: atiça um velho amigo e conquista um etnólogo desconhecido. Para compensar, Rohmer faz sua lição de moral recair, implacavelmente, sobre Marion.
O curioso é que essa lição seja aplicada pelo mais imoral dos personagens, Henri, o etnólogo: nômade que não se prende a lugares nem a pessoas, hedonista e cínico, ele encarna aquilo que Rohmer mais condena no filme, o nomadismo no amor. O cineasta, que é do tipo que se prende a lugares, encontra até mesmo para esse "nomadismo" o seu espaço: a praia, palco preferencial dos "amores de verão".
Rohmer não compactua com os atos e a visão de mundo de Henri e com o imoralismo que consagrou a nouvelle vague, mas faz dele um professor para Pauline, um mestre como os antigos libertinos franceses. Rohmer acaba por fazer do personagem mais imoral o mais forte e completo, tendência que é, paradoxalmente, própria dos maiores autores moralistas.
Avaliação:
Pauline na Praia (Pauline à la Plage)
Produção: França, 1983
Direção: Eric Rohmer
Com: Amanda Langlet, Arielle Dombasle
Quando: a partir de hoje no Top Cine
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alice Braga produzirá nova série brasileira original da Netflix
- Sem renovar contrato, Fox retira canais da operadora Sky
- Filósofo e crítico literário Tzvetan Todorov morre, aos 77, em Paris
- Quadrinhos
- 'A Richard's estava perdendo sua cara', diz Ricardo Ferreira, de volta à marca
+ Comentadas
- Além de Gaga, Rock in Rio confirma Ivete, Fergie e 5 Seconds of Summer
- Retrospectiva celebra os cem anos da mostra mais radical de Anita Malfatti
+ EnviadasÍndice